terça-feira, 21 de agosto de 2018

UM PERCURSO AO LONGO DO SADO



O PATRIMÓNIO É UM RECURSO: UM PERCURSO AO LONGO DO SADO

Publicado em: [Setúbal na Rede] - O Património é um recurso: um percurso ao longo do Sado (reed. 20.06.2010)
Foto de Filomena Barata.
Este trabalho relaciona-se com um velho projecto que, exactamente há vinte anos, tinha apresentado num congresso promovido pelo Conselho da Europa em Malta, tendo sido novamente dado a conhecer em Sines, no Congresso de História do Litoral Alentejano. Tratava-se um balanço de acções, entretanto, concretizadas, no que respeita ao que genericamente aqui trato como «um percurso ao longo do Sado».
Muitas das acções preconizadas nesse encontro de Malta, Archaelogical Parks and Cultural Tourism, em Setembro de 1990, no âmbito do Conselho da Europa, sob o tema:«Cultural Tourism – The archaelogical sites in southern Portugal», foram-se, felizmente, desenvolvendo, assumindo-se em muitas delas a necessidade de fazer uma relação mais estreita entre os recursos culturais e valores patrimoniais e ambientais, tanto mais que muitos dos vestígios e os sítios arqueológicos se encontram em locais privilegiados do ponto de vista geográfico e de enquadramento paisagístico.
Propunha eu em 1990, como antes dizia, que se fizesse um itinerário ao longo do Sado, esse rio que, atravessando o Alentejo de Sul para Norte, sempre foi um caminho fluvial, e que, em Período Romano, ligava em Caetobriga (Setúbal), o fronteiro complexo industrial de salga de peixe de Tróia, os fornos de ânforas do Pinheiro, a cidade de Alcácer e o fértil vale em que a cidade romana de Miróbriga ainda se pode incluir.
Para além dessa ligação física ao rio, haveria que encontrar condições logísticas que viabilizassem não só o percurso terrestre, ou mesmo parcialmente fluvial, como eventuais infra-estruturas de acolhimento e de apoio a turistas e visitantes, nunca perdendo a ideia central do rio que sempre foi recurso e permitiu escoar milenarmente produtos mineiros, agrícolas, ou piscícolas, e que assiste ainda nos nossos dias, se bem que menos navegável do que já foi, a um conjunto de actividades que se geram em seu redor.Conhecido ao tempo dos Romanos como Callipus, e, a partir provavelmente da ocupação islâmica, como Sadão, o Sado foi sempre gerador de vida, pois, alagando a terra, a fertiliza, permitindo que a água e a terra fossem, efectivamente, os grandes motivos de fixação de gentes.Assim, iniciamos este itinerário em Setúbal, a antiga Caetobriga, onde vestígios de fábricas de salga de peixe são conhecidos e visitáveis, aproveitando para visitar o Museu Distrital de Setúbal, local onde se pode conhecer a história da ocupação do território e os hábitos e costumes de gentes ligadas à terra e ao mar.Fazendo a travessia do Sado, no caminho fluvial que outrora ligava as povoações estuarinas de Caetobriga e Tróia a outras cidades importantes, designadamente Salacia, permitindo trocas comerciais, pode ainda vislumbrar-se um pouco o que restará da paisagem da Península de Tróia, eventualmente a antiga Ilha de Achale, ou da Serra da Arrábida.Após a travessia do rio, junto à Caldeira, localizam-se as ruínas de Tróia, um dos maiores complexos fabris conhecidos no Mundo Romano Ocidental, que se mantém em laboração desde o século I d.C., cronologia atestada pela existência de terra sigillata itálica, bem como por algumas inscrições funerárias, até, pelo menos, ao século IV d.C., período em que entram em decadência as actividades ligadas à pesca e transformação do pescado, como acontecera com as suas congéneres da Península Ibérica e do Norte de África.

A importância destas ruínas é de tal forma que podemos hoje, já um século passado, parafrasear José Leite de Vasconcellos, sem que nada de estrutural tivéssemos a objectar:

“… As ruinas de Troia de Setubal constituem um enexgotavel manancial archeologico. Näo se dá um passeio pela praia, não se mexe na areia, que não appareça alguma cousa. Oxalá que algum Ministro se amercie d’ellas!  tanto mais que é uma vergonha que esteja a findar o seculo XIX, o seculo chamado das luzes, e Portugal deixe perder para sempre estes eloquentes vestigios de grandeza do seu passado sem lhes prestar o culto que os povos civilizados prestam a tudo o que pode servir para aclarar os problemas históricos”.
Felizmente, os recentes trabalhos arqueológicos promovidos pela IMOAREIA/SONAE, sob a coordenação da Doutora Inês Vaz Pinto, vêm dar alguma tónica positiva quanto à tomada de consciência de que é um património que tem que ser devidamente estudado, divulgado e dinamizado, pois, apesar dos inúmeros trabalhos de valorização efectuados ao longo de séculos, de que destacamos o século XX, pois foi notória a incrementação não foi possível dar às ruínas as condições que merecem.


Balneáios de Troia.  Junho 2013. Fotografia Filomena Barata


Durante muito tempo Tróia foi identificada com a Caetobriga de Ptolomeu e do Itinerário de Antonino (século IIId.C.), sendo-lhe conotada tanto por André de Resende como por todos os arqueólogos que aí trabalharam durante séculos.
As mais antigas escavações arqueológicas em Tróia datam do tempo da Infanta D. Maria, futura Rainha D. Maria I, e incidiram na zona residencial das ruínas, pelo ainda nos nossos dias é denominada essa zona como “Rua da Princesa”.


                                                    Desenho de Marques da Costa. Zona Residencial de Troia
O espólio exumado nessas explorações foi totalmente disperso. À então Vila de Setúbal foi oferecida uma coluna e um capitel coríntio, reutilizado, mais tarde, como pelourinho, colocado na Praça Marquês de Pombal, nessa cidade.
A partir de 1957, volta a reacender-se o problema da localização de Cetobriga, uma vez que as escavações que o Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal revelaram a existência de um importante centro urbano da época romana em Setúbal, assumindo-se esta cidade era a Cetobriga dos Romanos!
Rumando nós de Tróia em direcção à Comporta, após demorada visita ao Sítio Arqueológico, vamos acompanhando o Sado até ao local onde se defende o mar ter já rodeado uma ilha que originou a actual Península de Tróia, provavelmente a antiga ilha de Achale.

O Sado em Alcácer do Sal. Fotografia Filomena Barata
Na Comporta, aproveitaremos para visitar o “Museu do Arroz”, ou, eventualmente, almoçar no restaurante que centra nesse cereal a sua oferta gastronómica, fazendo justiça à fertilidade do rio que, nas suas margens, tudo vivifica.

Foto de Filomena Barata.Comporta, Filomena Barata
Seguiremos ainda o seu curso, e preferencialmente se se puder fazer uma viagem fluvial, dentro da Reserva Natural do Estuário do Sado, na sua margem direita, na Herdade do Monte Novo de Palma, pode-se fazer uma paragem para conhecer a importante feitoria fenícia de Abul, conhecida desde 1990.
Os vestígios dessa feitoria datam dos séculos VII e VI a.C., tratando-se do primeiro assentamento fenício conhecido em Portugal e em toda a fachada atlântica europeia.
No local funcionou, desde o século I d.C. a meados do século III d.C. uma olaria romana.
Propomos se faça uma inflexão em direcção a Alcácer do Sal, em cuja direcção de pode conhecer a interessante aldeia palafítica da Carrapateira, extraordinário exemplo da organicidade e adaptação do Homem às condições da Natureza, nomeadamente aos recursos piscatórios.
Em Alcácer do Sal, mal chegados, podemos logo aperceber-nos da importância do Sado na vida económica daquele concelho, esse rio que até muito recentemente foi navegável até ali.
Os arrozais são ainda hoje a grande fonte de riqueza agrícola e parte do assoreamento do rio parece que se deve aos trabalhos hidráulicos necessários à plantação de arroz, desenvolvidos desde o século XIX:
Propomos assim que em Alcácer se possa estar e ficar, pois quer a paisagem, quer a oferta cultural e turística a tal apela.

Alcácer do Sal. Cripta arqueológica do Castelo. Fotografia João Tatá
A abertura cripta arqueológica do Castelo ao público, em 2008, revestiu-se da maior importância, pois permitiu que, uma vez mais, Alcácer estivesse na encruzilhada de novos caminhos a percorrer: neste caso do saber, do conhecer.
Ainda neste local aproveite-se para visitar o Museu Arqueológico e não se deixe de ir à Igreja do Olival dos Mártires, onde, nas proximidades, se conhece uma das mais notáveis necrópoles da Idade do Ferro, espelhando, tal como os vestígios encontrados no Castelo, o controlo do território que, desde época proto-histórica (Idade do Ferro), Alcácer assume e que Roma torna ainda mais forte, transformando Salacia numa cidade de importância vital.

Foto de Filomena Barata.
A Idade Média, quer a islâmica, quer a cristã consumaram a necessidade de assumir aquele território como fonte inesgotável de recursos e como sítio estratégico para qualquer dominação.
Rumando ao Sul, se bem que mais afastado do curso do rio, situa-se a cidade romana de Miróbriga, cuja visita recomendamos.
Dados os inúmeros estudos publicações sobre este importante Sítio Arqueológico, não me prenderei excessivamente a esta capital de ciuitas, e Município romano.
Localizando-se no concelho de Santiago do Cacém, e nas franjas da Serra de Grândola, a17 km de Sines e da Lagoa de Santo André, numa zona privilegiada de transição entre o mar (fornecedor de produtos píscicolas) e as regiões ricas em minérios, designadamente cobre e ferro, Miróbriga deveria já funcionar como núcleo polarizador na Idade do Ferro, tendo-se tornado Município romano no século I d.C.




Sugiro, após visita a Miróbriga, que se rume a Alvalade, onde na Igreja da Misericórdia, se encontra patente ao público uma exposição, que permitia conhecer o território e sua ocupação, desde épocas remotas.
Nesse mesmo local, está previsto que venha a ser o Núcleo Museológico de Alvalade que pretende dar a conhecer os vestígios que desde o Mesolítico remetem à importância que o rio teve na fixação de gentes, pois o Sado continuou a banhar as suas margens fertilizando-as e a ser escoadouro de produtos.
O rio Sado, testemunhou essa evolução, continuando a banhar a terra e a ser escoadouro dos seus produtos.
A presença romana marcou fortemente esta região e os vestígios de inúmeras uillae agrícolas comprovam a fertilidade dos solos.
Da presença árabe lhe ficou provavelmente o nome, tendo pertencido com a Cristianização à Ordem de Santiago da Espada que na matriz ainda conserva as insígnias.
Façamos pois juntos esta caminhada pelo vale do Sado e pelo Litoral Alentejano, com as suas formações lagunares, sendo este primeiro trabalho uma espécie de ideia central que posteriormente se desenvolverá.
Lagoa de Melides. Fotografia Filomena Barata

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