terça-feira, 14 de agosto de 2018

[Setúbal na Rede] - O Sol, esse Património Universal (reeditado de 09.12.2013)

[Setúbal na Rede] - O Sol, esse Património Universal

O Sol, esse Património Universal
Filomena Barata

Crónica Publicada na Revista Setúbal na Rede



Na fotografia: Sol Invictus e Mitra.
Século III d. C. Museu do Vaticano


Quis o momento que esta crónica fosse as que com mais dificuldades escrevi.
Regressada há uma semana da terra que me viu nascer, Angola, onde o Atlântico nos oferece praias sem fim, quando em Portugal, através do Projecto Portugal Romano, havíamos inaugurado o mês de Agosto a falar desse Oceano, sinto-me ainda como que num ponto no meio do mar.
Numa ilha pequena, talvez olhando o Sol a poisar-se devagar, ou um ponto entre a terra vermelha com árvores quase descabeladas a marcar a paisagem, silhuetas feitas de catos e imbondeiros, e um Portugal cujo Património deu ao Mundo a língua, costumes, tradições e uma arquitectura cujo estudo e conservação há que garantir a curto prazo.
Sinto-me ainda com desejo de mergulhar, numa viagem sem tempo e regressar para a minha terra-mãe, onde o sol se deita a maioria das vezes rubro como as rosas, mas a vida exige-me que fique deste lado do Atlântico, tentando semear devagarinho, para que um dia o «disperso se una num só», esperando que a Luz me acompanhe nessa Viagem.
E, porque, ao Atlântico que une os dois países de que sou cidadã, Angola e Portugal, já havia dedicado alguns pequenos trabalhos, aproveito este espaço para falar do Sol que, embora mais para uns do que para outros, ainda nasce para todos, pois, pelos motivos enunciados me sinto incapaz de falar hoje de um lugar específico.
Assim honrarei, agora que se aproxima o fim do Verão e em que os dias vão encurtando já, esse Astro que, pela sua força energética, condiciona a vida na Terra, e que, por isso mesmo foi reverenciado por muitas culturas e tradições, que o reconheciam como uma das principais forças no universo. 
 Adorado desde as primeiras sociedades nómadas, ao Egipto com Rá, o deus da "barca solar", o seu culto prevalece do Oriente ao Ocidente mediterrânico em época Greco-romana.

O Sol com a força vivificante dos seus raios desempenha genericamente o papel masculino e patriarcal e, por isso foi associado quer a Febo, quer a Hórus e mesmo a Mitra, essa divindade monoteísta que os soldados romanos importam do Oriente.
Ao contrário da Lua, o Sol que tem luz própria, é afinal a própria essência da Luz, e é quase sempre interpretado como símbolo masculino e por isso associado ao princípio Yang.
Ou seja, representa em muitos culturas, se bem que nem em todas, o princípio activo, enquanto a Lua é considerada um princípio passivo.
Ao Sol associa-se a noção de calor e de Vida, pois sem ele nada sobrevive.
Na Alquimia ele corresponde ao Ouro, encarnando a ideia do espírito imutável.

Sendo muitas bem vezes invocado como "olho omnipresente do Sol", como acontece no «Prometeu Agrilhoado», de Ésquilo, onde se adivinha a influência persa, pois ali Ormuzd é o mestre e criador do mundo, soberano, onisciente, deus da ordem, e o Sol é seu olho, o céu suas vestes bordadas de estrelas, na lenda mitológica grega prometeu é castigado por roubar o Fogo do Olimpo e dá-lo aos Homens. Também para os  Bosquímanos o Sol funciona como o "Olho do Deus Supremo".

O Sol ou Ormuzd, para os Persas, enquanto fonte de Luz, representava a Vida, a Saúde e a Fertilidade da terra enquanto criadora de todas as coisas necessárias à sobrevivência do Homem; por sua vez, à Lua ou
Ahrimã, atribuíam-lhe forças maléficas; as trevas e a esterilidade da Terra. 
As forças de Ahrimã, princípio da obscuridade, da desordem, do mal, são repelidas por Ormuzd, deus da luz, da ordem e do bem, que usa como arma o relâmpago, Atar.
Por sua vez, Mitra, essa divindade também de origem persa que os soldados romanos importaram para o Império, surge assim como um terceiro elemento, como uma espécie de divindade mediadora entre duas forças antagónicas, viabilizando o nascer de um novo dia, ou seja, não permitindo que a Lua ocultasse o Sol. 
Mais do que o Sol, Mitra representa a Luz Celestial, ou a essência da Luz, que desponta antes do Astro-Rei raiar e que ainda ilumina depois dele se pôr e, porque dissipa as trevas, é também o deus da Integridade, da Verdade e da Fertilidade, motivo pelo que também surge associado à força genésica do Touro.

Mitra, ou Mithras, cujo nome significa em Sânscrito «Amigo»; em Persa quer dizer «Contrato», trata-se de um Deus luminoso que incita os homens a seguirem o Seu caminho no combate pela Luz contra as Trevas.

Mitra tem naturalmente a força da LUZ, porque é a síntese da Luz do Sol e da Lua, e o Seu dia o Domingo é o dia dedicado ao seu culto. (no Latim pagão, domingo é «Dies Solis», ou «Dia do Sol»).

Talvez por isso mesmo a data do seu nascimento corresponda, tal como o nascimento de Jesus Cristo, ao Solstício de Inverno, momento a partir do qual os dias çomeçam novamente a crescer.

Em Roma, o culto do Sol remonta à sua fundação e ao que se conhece existiria um santuário dedicado Sol Indiges no Quirinal, construído por Tácio, rei dos sabinos.
E existiria um templo do Sol (assim como um para a Lua) no Circus Maximus, onde corridas de bigas decorreriam sob os auspícios dessas divindades (Tácito, Anais , XV.74; Tertuliano, De spectaculis , VIII.1) . 
Quer as festividades que se desenrolariam na Colina do Quirinal, bem como a fundação do templo se desenrolariam em Agosto, quando o calor do sol é mais intenso.

Em Roma, em 219 d.C., quando o imperador Heliogábalo havia regressado da Síria, onde ele tinha sido o sacerdote hereditário do deus sol Elagabal, introduz-se o culto do Sol Invictus.





Ao que dizem as memórias latinas, Heliogábalo, imperador da Dinastia Severa, nascido em Emesa Síria, em c. 203 d.C. e assassinado a 11 de Março de 222 d.C. que reinou entre 218 e o ano da sua morte,  ampliou em 219 d.C. o templo de Júpiter Ultor tentando manter os anteriores deuses romanos, por um lado, «mas também os de todo o mundo, e seu único desejo é que o deus Heliogábalo deve ser adorado em todos os lugares" (Historia Augusta , VI.7).


Ápós o assassinato do jovem imperador, três anos depois, o culto foi suprimido, para ser restabelecido meio século depois pelo imperador Aureliano (foi imperador entre 270-275), que erigiu um magnífico templo de Sol no Campus Agrippae ( Historia Augusta , XXV.6, XXXV.3, XXXIX.6; Aurelius Victor, XXXV.7; Eutrópio, IX.15.1).


Ao que dizem as fontes, terá sido em 274 d.C. um ano depois, do regresso do imperador da conquista de Palmira, onde vira "uma forma divina" (Sol) apoiá-lo na batalha contra Zenobia (XXV.3, 5).
«A partir daí, Aureliano identificou-se como a personificação do deus, que foi proclamado o protetor divino do imperador. A festa do solstício de inverno, quando os dias escuros do inverno começou a alongar e clarear, era conhecido como Natalis Solis Invicti , o aniversário do Sol invencível. (Mithras foi outra divindade solar oriental cuja festa foi celebrada em 25 de dezembro, seus ritos introduziu a Roma no primeiro século d.C por piratas cilícios, segundo Plutarco, Vida de Pompeu , XXIV.5)».

Ver:
http://penelope.uchicago.edu/~grout/encyclopaedia_romana/calendar/invictus.html


Deixemos, pois, que o Sol se vá escondendo mais cedo no Outono que se aproxima, sob os auspícios de Baco, cuja hera dará frutos, para que breve possamos provar o vinho novo e as castanhas que nos aquecerão as tardes mais frias.



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