sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

A Estrutura viária e as habitações de Miróbriga, Filomena Barata

A Estrutura viária e as habitações de MiróbrigaPDFImprimire-mail

Ver também:As habitações de Miróbriga e os ritos domésticos romanos

http://www.patrimoniocultural.gov.pt/media/uploads/revistaportuguesadearqueologia/2_2/5.pdf



Escrito por Maria Filomena Barata   
01-Jun-2007
Publicado em: 
http://mirobriga.drealentejo.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=62&Itemid=1

A estrutura viária e as habitações conhecidas em Miróbriga






Pelas características peculiares do urbanismo de Miróbriga, não é possível visualizar qualquer resquício de uma malha urbana definida por eixos viários principais - cardo e decumanus -, como é comum nas fundações latinas de plano ortogonal.
No entanto, os arruamentos conhecidos permitem-nos delinear o espaço ocupado por algumas das insulae da cidade onde se instalam aedificia privata e definir os percursos de acesso a alguns dos seus núcleos polarizadores, como é o caso das opera publica conhecidas em Miróbriga - o forum e as termas. O forum deveria ser circundado por uma rede viária que constituía como que uma espécie de «circunvalação», permitindo o crescimento do casario em anéis concêntricos (ALARCÃO, 1990: 465) que, a alguns níveis, mais lembram algumas malhas urbanas medievais. Ao longo dessas calçadas e entre elas desenvolviam-se os quarteirões onde se implantavam  as áreas comerciais e habitacionais. A maioria desses quarteirões estão apenas relativamente clarificados, como acontece na zona por onde se faz a entrada actual nas ruínas. Uma ampla calçada estrutura uma área habitacional, que se desenvolve quer para Norte quer para Sul da mesma. Do lado sul constata-se que as casas se adaptam à pendente e que os desníveis são vencidos através de grandes escadas que permitiam o acesso pedonal à via. Muito possivelmente, a uma cota mais baixa, se desenvolveria uma outra via que poderia fazer a ligação, mais a sul, às termas. Continuando pela via inicialmente referida, na direcção do forum, chega-se a um ponto onde a via se ramifica, permitindo o acesso ao mesmo, a Este, aos quarteirões que se desenvolviam do seu lado norte e ainda às termas, a Sul. Junto às termas verifica-se um caso semelhante de bifurcação, porque, por um lado, a calçada acede directamente aos balnea e, por outro, inflecte no sentido de Nordeste, onde poucos vestígios restam, mas que deveria articular uma segunda plataforma que circundava, do lado sul e este, o forum. Perto das tabernae implantadas a Sul do forum, vencendo também uma enorme pendente, é visível uma calçada que, também ela, deveria fazer uma circunvalação à zona central da cidade. Todos os troços de calçadas conhecidos são construídos com grandes lajes assentes directamente no afloramento xistoso ou sobre o solo, e carecem de qualquer tratamento para a sua colocação ou seja statumen e rudus. Medem, em média, 10-11 pés de largarem alguns pontos, as calçadas apresentam rebordos laterais isolados com opus signinum, nomeadamente na que desce em direcção às termas. Julgamos que a sua funcionalidade poderá ser a de contribuir para a impermeabilização na zona da entrada[1] das tabernae e habitações, que se situam ao longo desta via construída em declive. Não existem quaisquer vestígios de, sob o opus, haver canalizações de evacuação laterais em materiais cerâmicos ou outros[2].Noutros casos, ao longo das calçadas, foram construídas as condutas dos esgotos em opus incertum pavimentadas com lateres, como acontece na «área habitacional», junto da entrada actual das ruínas, e do lado sudoeste do forum, onde apenas restam alguns vestígios da via pública. Estes esgotos deveriam ser cobertos com laterae ou tegulae, mas não existem quaisquer vestígios dessas coberturas. As construções que se desenvolvem quer a Oeste quer a Este do forum, são infelizmente mal conhecidas, mas os vestígios identificados permitem-nos admitir que também aí existiria uma zona comercial e habitacional, confirmada arqueologicamente com várias edificações localizadas a nascente e poente  do mesmo, algumas das quais parcelarmente postas a descoberto por D. Fernando de Almeida. Uma construção desenvolvida em torno de um atrium, que foi também parcialmente escavada pela equipa luso-americana, a  nordeste do forum, e de que há apenas uma pequena referência publicada (BIERS, 1988: 24), e a existência de colunas que delimitam uma zona porticada fazem-nos aceitar a possibilidade de se tratar de uma habitação. Um outro núcleo de construções, localizadas junto às termas, foram publicadas por Maria de Lurdes Costa Artur, na década de 40, como tratando-se de habitações, estando actualmente, na sua maioria, de novo soterradas. No entanto, ao longo do troço de calçada que se dirige às termas, são visíveis de um lado as tabernae, a que já nos referimos, noutro trabalho; do outro, há vários indícios de soleiras de portas e vestígios de muros alinhados. De um lado e do outro da calçada que se encontra logo à entrada actual das ruínas, são visíveis várias insulae, que parecem ter tido uma ocupação sucessiva entre os séculos I d. C. (CAEIRO, 1985: 129) e o século IV d. C. Dessas escavações coordenadas por José Olívio Caeiro, nos anos 80, na área limítrofe à capela de S. Brás, apenas existe uma pequena notícia (CAEIRO, 1985: 128-129), tendo sido algumas das pinturas a fresco publicadas pela equipa de Missouri. Apesar do conhecimento incipiente das zonas habitacionais existentes nessa área, pode-se verificar que as insulae dessa zona são de métricas diferentes, em função das ruas e acessos públicos, variando entre 25 a 30 m[3]. As escadarias que se desenvolvem  a sul desta delimitam claramente insulae, em torno das quais se pode ainda ver o respectivo sistema de esgotos. A sua organização adapta-se perfeitamente à topografia do sítio, indo o casario sendo implantado em plataformas artificiais, que desde o ponto mais alto, onde se implantará a Capela de S. Brás, a Norte da via, até à zona mais baixa, a Sul da mesma, formam como terraços. Algumas das construções conhecidas a Sul dessa via tinham água canalizada, como se pôde verificar aquando dos trabalhos de limpeza e de restauro efectuados numa «casa com frescos». Junto à entrada da casa havia um pequeno tanque, possivelmente para aprovisionamento de água que era depois conduzida por uma tubagem de chumbo. Nesta casa e, mais especificamente, no compartimento decorado com estuques pintados a fresco o pavimento é de opus signinum. A Este desta construção, ao longo da via, quer do lado norte quer do Sul da mesma, são visíveis vários muros dispersos, devendo tratar-se de habitações. No entanto, como todos eles foram postos a descoberto, em anteriores trabalhos arqueológicos, através de valas abertas paralelamente aos mesmos, nada se pode concluir, porque nenhuma planta está clarificada. A equipa luso-americana admitia a hipótese de uma das estruturas - localizada junto do local onde a via bifurca para as termas - poder ser identificada como um pequeno templo, atendendo às  suas fundações (BIERS et alii, 1988: 13). Efectivamente essa construção, localizada junto a um talude, apresenta muros de grossura superior à que é comummente utilizada na arquitectura doméstica, mas o desconhecimento em relação à sua planta não nos permite avançar qualquer hipótese quanto à sua funcionalidade. A DOMUS LOCALIZADA NA ZONA LIMÍTROFE DA CAPELA DE S. BRÁS Mais a Oeste, do lado norte da via, iniciámos em 1996 uma escavação numa área que já havia sido parcialmente assinalada pela equipa luso-americana, e que veio a revelar a existência de uma domus, cujos compartimentos se desenvolvem em torno de um átrio. Este átrio tinha uma zona coberta, como o comprovam a concentração de telhas no local e os entalhes definidos no afloramento xistoso que deveriam servir para apoiar o telhado. O pavimento da zona circundante do átrio era revestido a opus signinum, ainda visível em alguns pontos. Na zona central, subdividida num segundo momento da ocupação da casa, poderia ter existido uma pequena zona ajardinada. Por seu lado, os pavimentos das salas que se desenvolvem em seu redor deveriam ser feitos com traves de madeira, pois não existe qualquer vestígio de revestimento e o afloramento xistoso é bastante irregular, o que aliás deveria acontecer em muitas das residências localizadas nesta área. A evidência de vários orifícios circulares escavados no xisto, na residência que escavámos, assemelhando-se a «buracos de poste», mas distribuídos sem qualquer aparente regularidade, contribuem para colocar esta hipótese. Numa destas concavidades estava perfeitamente conservada, ao nível da rocha de base, que havia sido escavada, em período romano, para o efeito, uma tigela ou patella invertida[4] contendo no seu interior ossos de pássaro, que pensamos poder tratar-se de um ritual fundacional. Uma situação paralela detectou-se também na casa cuja escavação se terminou em 1999.Num dos compartimentos paralelos à calçada, à entrada da casa, e que possivelmente se trataria de uma oficina de metalurgia[5], até porque se detectou uma grande concentração de escória de ferro, foi posta a descoberto, por cima do afloramento xistoso, um sistema de drenagem construída com imbrices encaixados uns nos outros, que escoava para a rua. Essa drenagem passava por debaixo de um dos muros que definem o limite sul da casa, junto à soleira da porta de entrada. Em alguns dos compartimentos desta construção são visíveis estuques, mas não foram ainda identificados quaisquer indícios de pinturas a fresco. A casa encontra-se praticamente ao nível das fundações, à excepção de alguns muros mais altos construídos em opus incertum. Pode-se daí deduzir que as pedras devem ter sido roubadas e reutilizadas, porque há poucos vestígios de derrube das mesmas, ao contrário do que acontece com os materiais de construção cerâmicos dos telhados - imbrices e tegulae. Ainda atendendo aos muros conservados com uma maior altura e pertencentes à mesma construção, nada nos permite concluir que pudessem os restantes ter sido edificados em adobe ou taipa. Os materiais arqueológicos entretanto exumados atestam uma ocupação que vai do século I ao século IV d. C., tendo mesmo sido encontrado um numisma republicano. Esta casa poderia ter tido dois pisos, porque se adossou, do lado oeste, uma escada, que deveria dar também serventia às construções que se desenvolvem num plano mais elevado, a Noroeste da habitação. Dessas edificações foram já postos a descoberto alguns muros, cujas fundações são ligeiramente «enterradas» no afloramento xistoso, que foi escavado para permitir uma maior estabilidade ao edifício. Entre a calçada, que se desenvolve a Sul, e a soleira da porta de entrada da «construção de átrio» que escavámos, existe um pavimento em opus signinum, desaparecido em grande parte, que permitia um acesso mais confortável e higiénico à mesma. É junto a esta zona que desaguavam as águas drenadas pela conduta de imbrices anteriormente referida. A escavação na íntegra desta casa e das adjacentes é fundamental, pois só ela permitirá a compreensão de uma insula de Miróbriga. É, no entanto, de salientar que a planta da casa em escavação é paralela à da capela de S. Brás, edificada, a Noroeste, ao lado e sobre estruturas romanas, devendo pertencer ao mesmo programa urbanístico. Os restos de uma casa romana, escavada por José Olívio Caeiro nos anos 80, e que são ainda visíveis junto à capela, pertenceriam, portanto, a um conjunto residencial mais vasto que se estendia do lado norte da calçada,  adaptando-se ao declive natural do terreno. Numa área recentemente adquirida, a Oeste da actual entrada de Miróbriga, iniciaram-se, em 1997, trabalhos arqueológicos, tendo sido feitas algumas sondagens para averiguar da possibilidade de aí ser construído o «Núcleo Interpretativo». À superfície foi encontrada uma moeda de Marco Aurélio e, já pertencente a um nível arqueológico bem selado, de fundação de algumas construções, foi encontrado um outro, cunhado em Mérida no reinado de Augusto. Esta área, cujas construções nos parecem estar articuladas com a «área residencial», pois obedecem à mesma orientação das casas localizadas na área limítrofe da capela de S. Brás, se bem que entre as duas zonas devesse haver uma outra via.  Desta via restam ainda algumas lajes, que são visíveis junto a um caminho de terra batida, por onde se acede do lado poente à zona adjacente às termas. Junto a uma dessas construções, em fase final de escavação, detectou-se uma enorme concentração de escória, associada a uma terra barrenta que foi sujeita a alta temperatura, porque se encontra cozida, como se de terracota se tratasse. Deveria tratar-se, também, de uma zona onde existiam ateliers metalúrgicos[6].Nessas construções em fase final de escavação detectou-se também a existência num dos vários buracos ao nível do afloramento xistosos, sobre o qual deveria assentar o pavimento. Pelo numisma augustano anteriormente referido e por alguns fragmentos de cerâmica campaniense, pode deduzir-se que a ocupação desta área do oppidum romanizado se deverá ter processado desde bastante cedo, não conferindo, portanto, à zona onde foi implantado o forum (o único local onde apareceram in situ materiais da Idade do Ferro) o papel único de polarizador de crescimento de Miróbriga em período de dominação latina, pois essa intervenção monumental é mais tardia. ALARCÃO, Jorge de, 1990, «O Domínio Romano», Nova História de Portugal, Editorial Presença, Lisboa. CAEIRO, José Olívio, 1985, «Miróbriga - 1982. Santiago do Cacém», Informação Arqueológica, n.º 5, Lisboa, pp. 128-129.




Maria Filomena Barata, IPPAR



[1] A exemplo do que se verifica em Itálica (LUZÓN NOGUÉ, 1982: 94, fot. 3).

[2] Como por exemplo acontece em Pompeios (ADAM, 1989: 259).

[3] As insulae de Bracara Augusta têm uma modulação quadrada, medindo aproximadamente 150 pés (44,33m) com uma área construída de 1 actus  - aprox. 120 pés =  35 m - (ALARCÃO et alii, 1994: 74). Um outro módulo havia sido apontado por Vasco Mantas (75x80 m), através da análise estereoscópica de fotogramas da cidade de Braga, que seriam provavelmente subdivididos. As insulae de Beja têm aproximadamente 40x80 m, medidos entre os eixos das ruas, e o módulo das de Évora deverá ter sido o mesmo (ALARCÃO, 1990: 462 e 1992: 80). Vasco Mantas  havia proposto um valor de 2 actus = aproximadamente 70 m (MANTAS, 1987: 42). Para as insulae de Beja propõe, portanto, uma média de 35x75 m (MANTAS, 1990: 86). As de Conimbriga têm 25 m, parecendo adaptar-se aos quarteirões do oppidum pré-latino, tal como todo o urbanismo da cidade romana, que «parece um compromisso entre um traçado pré-romano e um alinhamento novo definido pelo forum de Augusto» (ALARCÃO, 1992: 90). As insulae de Tongobriga parecem formar um quadrado com cerca de 34 m de lado (DIAS, 1997: 78). As de Corduba têm 35 m entre os cardines e as de Itálica variam consoante a separação entre as ruas situando-se entre 115,70x57,20 m, 113,90x39,10 m e 114,50x75,20 m (LUZÓN NOGUÉ, 1982: 85). A Ampúrias latina tinha insulae de 1x2 actus   (35x70 m), ocupando o forum o espaço de 4 insulae (ARBULO, 1992: 27).

[4] Para a  tigela ou patella de calote esférica recentemente encontrada em Miróbriga existem inúmeros paralelos, podendo referir os espécimes provenientes de necrópoles romanas do Alto Alentejo publicadas sob a designação de «taças» por Jeannette Nolen (NOLEN, 1985: 100), o de Conímbriga, publicado nas Fouilles com o número 979 (ALARCÃO et alii, 1975, V: 121) e os da necrópole de Gulpilhares, publicados com os números 35 e 36 (LOBATO, 1995: 44). Aparecidos também em Miróbriga são dois exemplares de características muito semelhantes e que se encontram em depósito no Museu Municipal de Santiago do Cacém. Leite de Vasconcelos dá-nos notícia de «uma tigela de barro grosseiro, cuja forma é o protótipo das nossas Malgas» (VASCONCELOS, 1914: 318 e Fig. 44), pertencente a uma colecção particular e proveniente do concelho de Santiago do Cacém, que aparenta ter semelhanças com  a taça  exumada nas escavações de 1995.

[5] Em Tongobriga foi também detectada no interior de uma construção uma oficina de metalurgia (DIAS, 1997: 79).

[6] Cruz e Silva havia, no entanto, referido a existência de fornos siderúrgicos de grandes dimensões: 2,30 m de diâmetro e 4,60 m de altura (Album Alentejano: 1057).

Actualizado em ( 04-Jun-2007 )

sábado, 21 de novembro de 2015

Religiões Mistéricas da Antiguidade IV, Filomena Barata

      EDIÇÃO 17 - NOVEMBRO 2013                                                                                                                                                          INÍCIO                SOBRE               CONTACTOS                     

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É através de Lucius Apuleius (Apuleio), nascido na colónia de Madaura, (actual Argélia) cerca de 125 d.C., mas descendente de uma abastada e influente família de Itália, e que viveu após os seus primeiros estudos de gramática e retórica em Cartago, onde se iniciou no estudo da poesia, geometria, música e filosofia que acabou por concluir e Atenas, que conhece os muitos dos “Cultos Mistéricos” da Antiguidade Greco-Latina.
Já em Cartago, Apuleio se interessara pelos ritos esotéricos, designadamente pelos mistérios de Esculápio de que já aqui falámos em crónica anterior e é, em Atenas, que toma contacto com os mistérios eleusinos.
São suas estas palavras: «Na Grécia fiz parte de iniciações na maior parte dos cultos mistéricos. Conservei ainda, com grande carinho, certos símbolos e recordações destes cultos, que me foram entregues por sacerdotes. Não estou dizendo nada insólito, nem desconhecido». (APULEIO, Apologia, LV, 8)



Gema com representação de Ísis segurando "sistrum" (instrumento musical) e "situla".

Calcedónia, Século II d.C., na Biblioteca Nacional (Lisboa).

Fotografia e comentário: Graça Cravinho



«Pois bem, eu também, como já disse, conheci, por meu amor à verdade e minha piedade aos deuses, cultos de toda classe, ritos numerosos e cerimônias variadas. E não estou inventando esta explicação para acomodar-me às circunstâncias [...] ». (APULEIO, Apologia, LV, 9-10).

Também, como já mencionámos, e de acordo com Burket, a expressão “religiões de mistérios” refere-se, normalmente, ao culto de Ísis, Mater Magna ou particularmente Mitra. De Dioniso/Baco, e, igualmente, ao culto de Elêusis, representantes dos “mistérios” propriamente ditos.

Pressupõe-se que as religiões mistéricas tinham uma espiritualidade mais elevada, transcendendo assim a religião oficial, sendo consideradas religiões de salvação.

Os rituais dos cultos de mistérios acabou por ser tão bem elaborado quanto os ritos dos cultos oficiais. Na sua maioria os cultos mistéricos incluíam danças, músicas, apresentações cénicas e também sacrifícios em honra das divindades.

A iniciação propriamente dita era o encontro individual entre o devoto e sua divindade, mais especificamente através da revelação ritual da verdade desta divindade. Sabe-se que o iniciado ou neófito passava por algumas representações das provações enfrentadas pela divindade (ou pelo herói) no mito, que o conduziam à descida aos infernos, e à revelação do segredo, do “mistério”, para então seguir-se o retorno do mundo inferior, que fecharia o ciclo do ritual de iniciação.

Na Apologia (LX, 9), Apuleio assume-se iniciado nos mistérios de Líber, uma das denominações utilizadas pelos romanos para o deus Baco e, no No Livro XI da Metamorfoses, o autor faz uma pormenorizada descrição de um ritual de iniciação aos mistérios de Ísis que faz admitir que conhecia esse o culto.

É pois, ainda no ciclo de S. Martinho e da prova do vinho novo que retomaremos os cultos dedicados a Baco, também na sequência da crónica anterior, pelo que me socorrerei novamente de uma obra que mantenho entre mãos : "As Bacantes", essa tragédia grega do dramaturgo Eurípedes, de Salamina, mas que passou a maior parte de sua vida em Atenas.

Ter-se-á estreado já após a sua morte, no Teatro de Dioniso, em 405 a.C., como parte de uma tetralogia e que foi, provavelmente, dirigida pelo filho ou sobrinho do próprio Eurípedes.
A tragédia baseia-se na história mitológica do rei Penteu, neto e sucessor de Cadmo ao trono de Tebas, e de sua mãe, Agave, e da punição dos dois pelo deus Dioníso, primo de Penteu, por se terem recusado a venerá-lo e pelo injusto descrédito em que pairava o nome de sua mãe, Sêmele.

Esta tragédia, escrita provavelmente no ano 406 a.C e muito apreciada na Antiguidade, gira em torno do deus mitológico Dioníso e sua chegada a Tebas, bem como a sua vingança por ali ter sido questionada a sua divindade.

As Ménades, também conhecidas como Bacantes, Tíades ou Bassáridas, eram pois mulheres de Tebas seguidoras e adoradoras fervorosas do culto de Dioníso, que, como vimos na crónica anterior, era essa divindade do vinho, das festas, do lazer, do prazer, filho de Júpiter (deus do dia) com a mortal Sêmele e que era também considerado, entre os Romanos, como um amante da paz e promotor da civilização.

Podemos, portanto, dizer que os cultos de Dioníso se inscrevem, como vimos na crónica anterior, nos cultos mistéricos que se tornara famosos na Antiguidade Ocidental, já que também aqui «a iniciação e a participação nos cultos e rituais de mistérios garantiam aos seus iniciados e neófitos, a partir da experiência do µυστικός (mystikós), uma relação mais estreita com a divindade e o benefício de um destino especial após a sua morte», como muito bem refere W. BURKERT em «Antigos Cultos de Mistério».

De acordo com a mitologia romana e também como vimos, atribui-se a Baco a forma de extrair o sumo da uva e produzir, desse modo, o vinho.
Ao que consta na Mitologia, invejosa do feito, a deusa Juno (Hera no panteão grego) transforma Baco num louco, vagueando pelo mundo, até que, ao passar pela Frigia, terá sido curado e instruído nos rituais religiosos por Cibele, a “Deusa Mãe” que simbolizava a fertilidade da natureza.

Parece ter sido inseridas nestas festividades dedicadas a Dioníso que se realizaram as primeiras representações teatrais.

Dionísio, esse deus boémio, apelava ao movimento, à alegria desenfreada, à paixão dos seus seguidores, os quais, guiados por sacerdotisas, organizavam festas ao ar-livre com danças, vinho, de molde a instaurar o delírio anárquico e criador.Na Apologia (LX, 9), Apuleio assume-se iniciado nos mistérios de Líber, uma das denominações utilizadas pelos romanos para o deus Baco e, no No Livro XI da Metamorfoses, o autor faz uma pormenorizada descrição de um ritual de iniciação aos mistérios de Ísis que faz admitir que conhecia esse o culto.

É pois, ainda no ciclo de S. Martinho e da prova do vinho novo que retomaremos os cultos dedicados a Baco, também na sequência da crónica anterior, pelo que me socorrerei novamente de uma obra que mantenho entre mãos : "As Bacantes", essa tragédia grega do dramaturgo Eurípedes, de Salamina, mas que passou a maior parte de sua vida em Atenas.

Ter-se-á estreado já após a sua morte, no Teatro de Dioniso, em 405 a.C., como parte de uma tetralogia e que foi, provavelmente, dirigida pelo filho ou sobrinho do próprio Eurípedes.
A tragédia baseia-se na história mitológica do rei Penteu, neto e sucessor de Cadmo ao trono de Tebas, e de sua mãe, Agave, e da punição dos dois pelo deus Dioníso, primo de Penteu, por se terem recusado a venerá-lo e pelo injusto descrédito em que pairava o nome de sua mãe, Sêmele.

Esta tragédia, escrita provavelmente no ano 406 a.C e muito apreciada na Antiguidade, gira em torno do deus mitológico Dioníso e sua chegada a Tebas, bem como a sua vingança por ali ter sido questionada a sua divindade.

As Ménades, também conhecidas como Bacantes, Tíades ou Bassáridas, eram pois mulheres de Tebas seguidoras e adoradoras fervorosas do culto de Dioníso, que, como vimos na crónica anterior, era essa divindade do vinho, das festas, do lazer, do prazer, filho de Júpiter (deus do dia) com a mortal Sêmele e que era também considerado, entre os Romanos, como um amante da paz e promotor da civilização.

Podemos, portanto, dizer que os cultos de Dioníso se inscrevem, como vimos na crónica anterior, nos cultos mistéricos que se tornara famosos na Antiguidade Ocidental, já que também aqui «a iniciação e a participação nos cultos e rituais de mistérios garantiam aos seus iniciados e neófitos, a partir da experiência do µυστικός (mystikós), uma relação mais estreita com a divindade e o benefício de um destino especial após a sua morte», como muito bem refere W. BURKERT em «Antigos Cultos de Mistério».

De acordo com a mitologia romana e também como vimos, atribui-se a Baco a forma de extrair o sumo da uva e produzir, desse modo, o vinho.
Ao que consta na Mitologia, invejosa do feito, a deusa Juno (Hera no panteão grego) transforma Baco num louco, vagueando pelo mundo, até que, ao passar pela Frigia, terá sido curado e instruído nos rituais religiosos por Cibele, a “Deusa Mãe” que simbolizava a fertilidade da natureza.

Parece ter sido inseridas nestas festividades dedicadas a Dioníso que se realizaram as primeiras representações teatrais.

Dionísio, esse deus boémio, apelava ao movimento, à alegria desenfreada, à paixão dos seus seguidores, os quais, guiados por sacerdotisas, organizavam festas ao ar-livre com danças, vinho, de molde a instaurar o delírio anárquico e criador.

Entre as manifestações da celebração, com cantos e acompanhamento musical, a população aderia aos prazeres hedonistas, defendendo-se que dessas representações, entre coros, terão nascido as comédias e as tragédias.

As festividades, de natureza ritual, em homenagem ao deus Baco, conhecidas por bacanais eram nocturnas, secretas e frequentadas exclusivamente por mulheres, realizavam-se durante três dias no ano, como antes vimos, provocavam nelas um estado de êxtase absoluto, porque se entregavam à desmedida violência, derramamento de sangue, sexo, embriaguez e autoflagelação, motivo pelo que acabaram por ser proibidas pelo Senado romano, em 186 a.C, embora tenham prevalecido.

As Ménades ou Bacantes apresentavam-se nuas ou vestidas com véus ou peles e, em grupo de nove, dançavam coroadas de grinaldas de hera e na mão levavam um tirso ou bastão envolto em ramos de videira, por vezes um cântaro, ou então tocavam um instrumento como uma flauta ou um tambolim, vagueando, como referimos na crónica anterior, pelas montanhas e campinas, entregando-se aos sátiros que também integravam o cortejo de Dioniso.

Eram, assim, acompanhadas dos sátiros embalados pelos sons dos tamborins dos coribantes, formando uma espécie de trupe que acompanhava o deus do vinho nas suas aventuras.

Por onde passavam actuavam como chamariz na conversão de outras mulheres atraindo-as para as festividades e a licenciosidade. Evidentemente que o comportamento livre e desregrado delas causava apreensão, senão pânico nos lugarejos e cidades onde o cortejo báquico passava. Quando assaltadas por um furor qualquer, não tinham limites ao descarregar a sua cólera. O maior divertimento das Ménades ou Bacantes era submeter os homens ao sofrimento, despedaçando-os antes de comê-los enquanto estavam em transe. Por isso, obrigavam-se a procurar refúgio no alto das montanhas, onde podiam exercer sua estranha liturgia sem a presença de olhares de censura ou reprovação.

As Ménades fazem parte do mito de Orfeu, que se recusava a olhar para outras mulheres após a morte de sua amada Eurídice. Furiosas por terem sido desprezadas, as Ménades acabaram por o atacar, atirando dardos e acabaram por matá-lo. Ao que reza a mitologia, depois terão despedaçado o seu corpo e atiraram a sua cabeça cortada ao rio Hebro, que flutuava cantando: "Eurídice! Eurídice!"

Terão sido as nove Musas as responsáveis por reunir os seus pedaços que foram enterrados no Monte Olimpo.

Pela sua crueldade, às Ménades não foi concedida a misericórdia da morte, motivo pelo que quando bateram os pés na terra em triunfo, sentiram-nos entranhar-se na terra. Quanto mais tentavam tirá-los, mais profundamente eles se enterravam, pelo que se transformaram em silenciosos carvalhos. E assim permaneceram castigadas e fustigadas pelos ventos furiosos.

Como dissemos, o culto primitivo a Dionísio era exclusivamente feito por mulheres e somente para mulheres.

Introduzido em Roma cerca de 200 a.C., a partir da cultura grega do sul da Itália ou através da Etrúria influenciado pela Grécia, os festivais «bacanais» eram realizados em segredo no bosque de Simila, perto da Aventino.
Posteriormente, os rituais foram sendo abertos à participação masculina, mas denunciado por um jovem que se recusava a participar das celebrações, o Senado, temendo que se originasse uma conspiração política, proibiu as festas prometendo recompensas a quem desse informações sobre os rituais.
Apesar da severa punição infligida àqueles que violassem o decreto, os bacanais continuaram a ser realizados no sul da Itália, podendo considerar-se, de algum modo, que Carnaval tem origem em antigos festivais, designadamente os Bacchanalia, Saturnália e Lupercalia.

Na obra intitulada «Bacantes» de Eurípedes, onde Dionísio enlouquece as mulheres como vingança pela morte da sua mãe ultrajada, Sêmele, vemos Penteu, também humano, enfrentar a divindade, travando-se como que uma luta entre a razão e a paixão, acabando por sair vitoriosa a divindade, através do uso da astúcia.

Nesta obra são nomeadas dezoito Ménades:

Acrete - o vinho sem mistura
Arpe - a flor do vinho
Bruisa - a florescente
Cálice - a taça
Calícore - a formosa dança
Egle - o esplendor
Ereuto - a corada
Enante - a foice
Estesícore - a bailarina
Eupétale - as belas pétalas
Ione - a harpa
Licaste - a espinhosa
Mete - a embriaguez
Oquínoe - a mente veloz
Prótoe - a corredora
Rode - a rosada
Silene - a lunar
Trígie - a vindimadora

O mito das Ménades ou Bacantes coloca-nos perante a apreensão do ser humano no que ele tem de selvagem, perigoso e sombrio.
Consideradas desregradas e devoradoras dos homens, essa característica das Bacantes tem um simbolismo muito marcante, pois o mito leva o homem enfrentar-se e a reconhecer sua emocionalidade e a sua irracionalidade que conduz à violência, à agressividade e à destruição.

Eurípedes inicia assim com esta obra um novo género na literatura: a fábula, cuja característica marcante é a lição de moral que impregna o texto, pois neste caso concreto, as Bacantes põem em causa a ordem vigente em Tebas, apelando ao mundo fora da organização da Acrópole e, por isso, se desenrolam também os festivais nas montanhas.

Talvez por isso Penteu, embora fosse um simples mortal, sobrevive, pois é ele o representante da Razão, da Ordem, nas normas sociais vigentes, em constante luta contra a sensação e a emoção que embora possam conduzir à destruição, também são criadoras. 

Ménade bailando. Cópia romana de um relevo grego de finais do século V a.C.
M. Prado, Sección Arqueología Cdl Madrid

E, não tarda, Dezembro está próximo e já se vai avizinhando o Solstício (do latim sol + sistere, que não se mexe) esse momento em que o Sol, durante seu movimento aparente na esfera celeste, atinge a maior declinação em latitude, medida a partir da linha do Equador.

Por essa altura falaremos da relação que os homens, desde remotas alturas, até pela sua relação íntima com a Natureza e com as estrelas, designadamente o Sol que rege a Vida e o Tempo, tiveram com vários cultos dedicados ao Astro Rei.

E será altura de voltar a falar desse festival em honra de Saturno, Saturnália era um, uma divindade de origem grega cujo culto foi importado para Roma, que ocorria no mês de Dezembro, também em correlação com o solstício de inverno (era celebrada no dia 17 de Dezembro, mas ao longo dos tempos foi sendo estendida a uma semana completa, terminando a 23 de Dezembro).

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

O Templo de Vénus (?) em Miróbriga


Uma construção do Forum de Miróbriga, de planta absidial, tem sido atribuída ao culto de Vénus (1) baseando-se na arquitectura do edifício, comum a outros templos dedicados à mesma divindade e nos dados arqueológicos[2] conhecidos.
Se, por um lado, a sua planta tem levantado algumas dúvidas, porque os templos basilicais são pouco usuais em edifícios religiosos, na Lusitânia [3], que aqui apresentam maioritariamente um aspecto rectangular (JIMÉNEZ, 19871: 53), sendo mais comum o seu uso em edifícios civis[4], é um facto que em Itália esta tipologia foi muito utilizada a partir dos começos da época imperial (GROS, 1996: 140).
O primeiro exemplar conhecido de “templo de abside” é exactamente dedicado a Venus Genetrix e foi construído em posição dominante do Forum Iulium para homenagear a origem mítica dos Iulii [5] (GROS, 1996: 140).
Data de 2 a. C. a inauguração do templo de Mars Ultor que também apresenta uma planta da mesma tipologia, ocupando a abside um lugar na cella análogo ao templo de Venus Genetrix (GROS, 1996: 142).
No entanto, o aspecto cenográfico do templo dedicado a Venus Genetrix, construído sobre um podium de 5m, poderá, a uma escala diferente, lembrar a localização sobranceira que no forum assume o templo absidial de Miróbriga. A escadaria pela qual se lhe acederia, contribuía para dar ao edifício um aspecto ainda mais imponente.
O facto de o culto a Vénus estar atestado em Miróbriga, quer arqueologicamente, através de fragmentos de uma estátua onde a deusa Vénus Capitolina é representada com a ânfora, quer epigraficamente[6], contribuiu para que a associação se fizesse.

Fragmento de estátua de Vénus (ânfora) proveniente de Miróbriga .
Museu Municipal de Santiago do Cacém. 

De facto, em Miróbriga existem duas inscrições dedicadas a Vénus: uma, cujo dedicante é Caius Iulius Rufinus, magister, indígena romanizado que adoptando o gentilício e um praenomen comum da gens Iulia , adoptou também o culto privilegiado da mesma gens (IRCP 146; JORGE DE ALARCÃO, 1985: 110) e que poderá ter desempenhado funções religiosas [7]; e outra, consagrada a Vénus Vencedora Augusta em honra de Lucília Lepidina (JOSÉ D'ENCARNAÇÃO, 1984: 224) [8] .
A equipa americana, atendendo à planta do edifício, caracterizou-o como assemelhando-se a uma «basílica cristã» (BIERS et alii, 1988: 15).
O acesso a este templo fazia-se através de uma escadaria escavada na rocha que o une à praça pública, como anteriormente referimos. Esta construção, edificada relativamente perto do templo centralizado, é também construída em opus caementicium . O seu pavimento é revestido com opus signinum , ou formigão, que assentava, por sua vez, numa obra com características semelhantes ao statumen utilizado no assentamento dos pavimentos ou estradas. Não há vestígios de terem sido aplicadas sobre o mesmo quaisquer placas calcárias ou marmóreas. No centro da abside é visível uma base de altar.
O templo era dividido em três naves, medindo as laterais cerca de 4m. A largura total do edifício é de 15m e o comprimento é de cerca de 10m.

[1] Segundo Vitrúvio os templos de Vénus deveriam situar-se fora das muralhas para que os jovens e as mães de família não se habituem às paixões de Vénus (De Architectura I, XII, 11).
[2] «por ali perto apareceram fragmentos de uma estátua de mármore branco (parte da perna e do pé esquerdo), bem como uma ânfora e a roupagem sobre ela colocada» (ALMEIDA, 1988: 27).
[3] No entanto o templo de Milreu, de cronologia tardia - século IV d. C. -, apresenta uma planta absidial (HAUSCHILD, 1989-90: 74 e 1997: 410). Em Clunia existe também um templo porticado cujo podium, na sua parte posterior, tem uma planta absidial (PALOL, 1989-90: 45 e 48).
[4] Sobre este tema ver BALTY, 1991: 179. No entanto, em Clunia existe um edifício de planta absidial, que P. Palol interpreta como capitolium (PALOL, 1987: 157).
Em Córdova foi construído, em finais do século III-inícios do século IV, um complexo monumental, onde um conjunto de construções de planta absidial, muito vinculada à arquitectura imperial (BALTY, 1991: 605), se articula com um pórtico (HIDALGO PRIETO, 1994: 207-208; HIDALGO, et alii, 1994: 51). Trata-se de edifícios administrativos, nomeadamente, de basílicas ou cúrias (ver BALTY, 1991: 402 e 404).
[5] Segundo Suetónio, Júlio César, no discurso fúnebre de sua tia Júlia, terá afirmado «é de Vénus que descendem os Júlios, que contituem a nossa família» (SUETÓNIO, ed. 1978: 23).
[6] Não obstante, também existe uma dedicatória homenageando Marte (ENCARNAÇÃO, 1984: 221), sem que alguma vez se tenha associado esta inscrição ao templo absidiado.
[7] O culto a Vénus sem um dos atributos habituais, Augusta, Victix ou Domina, está atestado pela primeira vez na Península (ENCARNAÇÃO, 1984: 222).
[8] Dedicada por uma mulher, Flavia Títia (ENCARNAÇÃO, op. cit: 223), da gens Flavia, que Jorge de Alarcão admite remontar à municipalização de Miróbriga (ALARCÃO, 1985: 110).

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

O Homem Romano. Filomena Barata

O HOMEM ROMANO
Por Filomena Barata





Revisão: Professor Doutor Manuel Rodrigues a quem muito agradeço



Nota Introdutória

Este texto de apoio para estudantes vem na continuidade de um anteriormente elaborado, dedicado à Mulher e Criança em Roma, motivo que nos incentivou a dedicar umas pequenas notas que incidissem sobre o “Homem Romano”, utilizando o nome da marcante obra coordenada por Andrea Giardina.
Não é fácil em algumas páginas resumir a complexidade da vida romana que centra no Homem, mais propriamente no paterfamilias, a sua vida política, social e religiosa.
Menos fácil ainda é conseguir ousar tratar todas as diferenças que o Tempo, numa sociedade tão duradoura como a Romana, as Leis e os territórios tão vastos foram delineando, pois nada seria mais erróneo do que pensar que se tenham mantido estanques os estatutos jurídico-sociais dos Romanos.
Ainda assim tentaremos abordar de forma sumária o estatuto jurídico do Cidadão, do Liberto e do Escravo, bem como algumas profissões.
Do ponto de vista jurídico, as famílias romanas eram, genericamente, iguais: a autoridade residia no paterfamilias, cabendo-lhe reconhecer ou não os filhos, pois era possível a sua rejeição, bem como decidir a adopção.  
O fenómeno da rejeição tem a ver, genericamente, com deficiências de ordem física, embora sejam conhecidos outros motivos, designadamente socioeconómicos ou, ainda, suspeitas de traição.
O reconhecimento dos filhos fazia-se através do ritual do Paterfamilias levantar o filho do chão e tomá-los ao colo.
O primeiro ritual de uma criança após o nascimento (dies lustricus) era ao 8.º dia após o nascimento, para as raparigas, e ao 9.º dia para os rapazes.
Essa cerimónia religiosa ocorria junto ao altar doméstico.
A mulher estava tradicionalmente submetida ao poder do pai e, posteriormente, do esposo, pese embora ter conseguido obter, gradualmente, uma maior independência.
«Durante el imperio se dieron importantes pasos para reconocer derechos a la mujer. La tutela sobre la mujer dejó de ser perpetua y, en determinadas condiciones, quedaba liberada de ella: así la mujer nacida libre que tuviera tres hijos, o la liberta que hubiera tenido cuatro, adquirían plena capacidad sobre el uso de sus bienes y podían recibir herencias o legados (ius liberorum[1].
A família era a estrutura básica social, económica e ideológica: honrar os Lares e outras divindades era uma obrigação doméstica, sendo o pai o responsável pelo culto.
Genericamente, podemos dizer que o homem, em Roma, se distinguia pela sua condição social, a que correspondia um dado comportamento, que se espelhava em tudo, até no próprio vestuário. Assim, a toga, que era vestida sobre a túnica, só podia ser usada pelos Cidadãos, variando de forma, volume e cor, de acordo com o estatuto social. Distinguiam-se os seguintes tipos de toga:
·         «Toga pura» ou «virilis» (toga viril) – toga lisa, feita de lã branca, usada pelos homens quando atingiam a idade adulta.
·         «Toga praetexta» – toga branca decorada com uma banda larga de cor púrpura. Era usada pelos jovens que ainda não envergavam a «toga virilis» e, até uma certa altura, pelas jovens que ainda não tinham casado (com efeito, na Época Republicana, já só as adúlteras ou prostitutas as utilizavam); era também usada pelos principais magistrados e sacerdotes.
·         «Toga candida» – toga de um branco imaculado, usada pelos candidatos a cargos públicos (os «candidati», no singular «candidatus», de onde deriva a palavra candidato). A brancura desta toga simbolizava a candura das atitudes, pois pressupunha-se que aqueles que a envergassem deveriam levar uma vida irrepreensível.
·         «Toga picta» ou «purpurea» – usada pelos vencedores e, mais tarde, pelo imperador.
·         «Toga sordida» ou «pulla» – era a toga dos mais pobres ou dos réus quando se apresentavam no tribunal, funcionando, nestes casos, para inspirar um sentimento de piedade.
·         «Toga trabea» – toda púrpura, ou ornamentada com riscas horizontais de cor púrpura, era a toga usada pelos áugures e sacerdotes, durante os rituais; também os deuses eram representados com esta toga.

Como se disse, o uso da toga era privilégio dos Cidadãos. Os Escravos e os Plebeus apenas usavam a túnica.

O cidadão







Togado proveniente de Collippo. Museu da Comunidade Concelhia da Batalha.

Mas, afinal, quem era o ciuis (cidadão)?
A cidadania romana era atribuída, na sua fase inicial, apenas a quem vivesse em Roma, tendo-se, contudo, alargado, gradualmente, com as conquistas. As cidades que mais depressa a adquiriram foram as mais próximas de Regia Roma. Ao invés, aquelas que se situavam a uma distância maior, ou cuja submissão foi forçada, apenas possuíam a cidadania sine suffragio, ou cidadania parcial, pois não tinham o direito de votar.
Inicialmente, o voto era oral. Por volta do século II a. C., os romanos tiveram a ideia de criar uma urna onde os votos fossem depositados, per tabellam, com o objetivo de assegurar o voto secreto e a liberdade de o cidadão votar sem interferência dos mais poderosos. As tabellae dadas ao cidadão eram pequenas tábuas enceradas, nas quais se escrevia, com um stilus (estilo/estilete), o nome do candidato.
Para comemorar a chamada “lei tabelária”, que introduziu o voto secreto, foram emitidas moedas com imagens de cenas de votação, onde figura um cidadão depositando a sua tabella diante do magistrado, como é o caso do exemplar aqui apresentado.



Denário de P. NERVA, com representação de Roma (113 a.C. - 112 a.C.)
Museu Nacional de Arqueologia nº Inv. 2015.14.99. Fotografia de Paulo Alves
Soalheira de Barbanejo.
Anverso: Busto de Roma, usando capacete, com uma pluma de cada lado, segurando um escudo com a mão esquerda; com a mão direita, segura uma lança, que está pousada no ombro esquerdo. Em cima, um crescente lunar. Atrás, ROMA. Bordo delineado por pontos.
Reverso: Ao centro, uma cena representando um ato eleitoral: um votante, à esquerda, com "pons", recebe o boletim de voto de um funcionário, em baixo; outro votante, à direita, com "pons", coloca o boletim na "cista".
Em cima: P. NERVA (NE em nexo); no topo da moeda, uma linha onde se destaca uma placa com a letra P. Bordo delineado por pontos.

Origem / Historial:
Conjuntamente com os colares entrançados de ouro e de prata, de Soalheira do Barbanejo, foram descobertas novecentas moedas de prata romanas. Essas moedas foram vendidas a peso e dispersaram-se. O conjunto de 111 moedas de prata existentes no MNA foi provavelmente, adquiridas por José Leite de Vasconcelos, na época em que adquiriu parte dos colares, então descobertos, e que hoje fazem parte do denominado Tesouro de Soalheira do Barbanejo, integrado no acervo do Museu.

Comentário da peça a partir de:

O voto não era, na Época Romana, universal, mas censitário e hierárquico, sendo o corpo eleitoral constituído por todos os cidadãos masculinos. Só numa segunda fase se instituiu que a cidadania não dava automaticamente direito ao voto. Distinguiam-se os residentes antigos, os libertos (antigos escravos) e os latinos (cidadãos anexados a Roma por conquista territorial que, durante muito tempo, não tiveram direito a voto, o que originou muitos conflitos). Gradualmente, essa situação foi-se alterando, e Roma acabou por lhes reconhecer o direito a votar.
Os Cidadãos eram organizados através das centúrias, divididas de acordo com a propriedade dos seus membros. Cada centúria tinha direito a um voto conjunto, depois de conhecer a opinião pessoal dos seus membros, e as eleições eram em ordem decrescente de riqueza.
Em 251 a. C., houve uma reforma que modificou a estrutura das centúrias, para que se pudesse dividir melhor o poder de voto. Passaram de 193 para 373, tendo sido também ampliado o número de centúrias da infantaria para 350, uma vez que elas representavam as 35 tribos que compunham Roma.
Uma outra reforma, em 107 a. C., modificou profundamente o exército romano e, pela primeira vez, permitiu que pessoas sem propriedades se alistassem, ao criar um equipamento padrão fornecido pela própria legião. Essa mudança levou as eleições romanas ao mais próximo do que se poderia chamar «voto popular», embora a ordem da votação fosse mantida, mas tal situação durou pouco, porque, no ano 27 a. C., Augusto transferiu todo esse poder para o Senado, depois de se tornar o primeiro imperador romano.
A campanha eleitoral chamava-se ambitus.  Nessa altura, o candidato substituía a sua toga habitual pela toga candida, símbolo, como acima se disse, de uma conduta irrepreensível. Começava depois da leitura da lista oficial dos candidatos, petitio, e da respectiva exposição formal. O candidato tinha de estar isento de culpas graves, condenações ou acusações por crimes de concussão ou corrupção. Só o civis optimo iure, o "cidadão completo", dispunha do direito de voto (ius suffragii) e do direito de ser eleito magistrado (ius honorum).[2]
Apenas quando terminou a Guerra dos Aliados, no ano 49 a. C., foi concedido o direito de cidadania a todo e qualquer homem livre de Itália, assim como o de “civitas romana”, a algumas das cidades conquistadas do Império. Em 212 d. C., o imperador Caracala emitiu um édito no qual se declarava que todo o homem livre que vivesse na extensão do Império Romano era cidadão de Roma.
Os cidadãos tinham direitos como os de ser proprietários de bens e deles poder dispor, participar nos cultos públicos, oferecer sacrifícios, promover acções judiciais, apelar ao julgamento do povo, caso não estivessem de acordo com uma sentença emitida pelo tribunal, contrair uniões legais, serem eleitos magistrados e votarem nos comícios ou assembleias das centúrias e das tribos.
O uso da toga era, como já vimos, seu direito exclusivo, tal como o uso dos três nomes (tria nomina) - o nome próprio, dado nove dias após o nascimento, o nome da gens a que pertencia e o apelido), ou seja:
Praenomen, prenome ou nome próprio. Existia apenas um pequeno número de nomes  (praenomina) e era usado dentro da mesma família, em particular no primogénito, que, usualmente, tinha o nome do pai.
Nomen, gentilício, indicativo da família, gens, a que pertence. 
Cognomen, cognome, nome próprio de cada indivíduo.
Os filhos adotivos recebiam os tria nomina da família de adopção, mas guardavam a memória da sua gens de origem, acrescentando uma designação na forma adjectiva.

Também eram direitos exclusivos dos cidadãos a transmissão da cidadania aos filhos nascidos do casamento com uma mulher romana e o de efectuar contratos com outros cidadãos, sob as regras a aplicar nestes casos.
     

A Cidadania Romana

A cidadania romana garantia à pessoa direitos especiais e imunidades, outorgados e reconhecidos em todo o império. Por exemplo, era ilegal torturar ou açoitar um cidadão romano, com o fim de extrair dele uma confissão, formas de punição consideradas muito servis e apenas usadas com os escravos. O cidadão, como acima dizíamos, tinha acesso às magistraturas e ao Exército e, sob o privilégio da cidadania romana, tinha o direito de apelar da decisão dum governador provincial para o imperador de Roma. No caso dum crime capital, o cidadão romano tinha o direito de ser levado a Roma para ser julgado perante o próprio imperador.
A cidadania romana era obtida de diversas formas. Por vezes, os imperadores concediam este favor especial a cidades ou distritos inteiros, ou nominalmente, por serviços prestados. Mas também era possível adquirir a cidadania directamente por uma soma de dinheiro ou por concessão dada pelo proprietário de um escravo, que, assim, se tornava liberto, podendo os seus descendentes aceder à cidadania.
Ou seja, para se ser cidadão, era necessário ser filho de um homem livre, de um cidadão ou de um liberto, ter exercido o serviço militar dos dezassete aos sessenta anos e ter pago um imposto. De salientar que o exercício de uma magistratura outorgava a cidadania a quem a desempenhava, bem como aos seus ascendentes e descendentes.
Quinquenalmente, era realizado um censo, altura em que os novos cidadãos eram objecto de uma rigorosa avaliação em termos morais e económicos e os antigos aproveitavam para libertar escravos. A toga era, como acima mencionado, o símbolo que representava o cidadão, independentemente de onde se encontrava.[3]



Estátua de togado com bulla encontrada na Escusa, Marvão.
 Museu da Ammaia. Tem sido atribuída a Britânico.
Fotografia Portugal Romano


[2] Para uma informação mais completa, veja:
SILVA, António Carlos Prestes Gonçalves Rocha, 2010, Breviário de uma campanha eleitoral: O Commentariolum Petitionis de Quinto Cícero. MESTRADO EM ESTUDOS CLÁSSICOS (Edição e Tradução de Textos Clássicos).



[3] Recomendamos a leitura de O Cidadão Romano na República, de Maria Luiza Corassin, in “Estrutura Social y Económica durante el Alto Imperio Romano”, publicado por Juan Antonio Cerpa Niño:


O «Libertus» (liberto)

O escravo liberto continuava ligado ao seu patrono, patronus, através da prestação de serviços ou de rendas pecuniárias, ficando obrigado a um respeito quase filial: obsequium. Ao momento da sua libertação chamava-se manumissio, a renúncia do senhor ao poder que tinha sobre o escravo. Na sociedade romana, a manumissio era uma forma de o senhor, dominus, recompensar o seu seruus pelos serviços prestados.
Não obstante, ao liberto não era outorgada a condição de ciuis de pleno direito; apenas a terceira geração da sua descendência podia exercer os direitos políticos em toda a plenitude, igualando-se aos homens livres. Não era, porém, incomum estes libertos tornarem-se pessoas de grande influência social, devido à riqueza que por vezes acumulavam, dado que se dedicavam frequentemente a atividades altamente rentáveis: «… estes antigos escravos eram mais ricos, e por vezes bastante mais do que a maioria da população livre, que se sentia espezinhada pela prosperidade de indivíduos que não tinham nascido na liberdade – suportava-se mal uma opulência que se acharia legítima e admirável num senhor.»[1]
Por vezes, assumiam dentro da família funções importantes, a exemplo de dispensator do seu senhor, uma espécie de intendente das finanças, ou mesmo de puer delicatus da domina, como bem satiriza Petrónio no seu famoso romance Satyricon.[2]
Podemos, sintetizando, dizer que os Libertos são uma parcela da sociedade romana constituída por indivíduos que haviam sido escravos e que haviam adquirido a liberdade, plena ou parcial. Libertas/servitus era, assim, a distinção básica no desenvolvimento histórico de Roma e ambos os estatutos eram concebidos como naturais. Logo, a manumissio, que permite a transição de uma categoria para a sua oposta, é algo de complexo nessa Sociedade.

Sugestões de leitura:

Géza Alfödy, 1991, A História Social de Roma, in O Homem Romano, Editorial Presença.
ANDREAU, J. et All. O Homem Romano. s/l: Editora Presença, s/d. pp. 119-124. «A escravidão romana entre os séculos III a. C e I d. C e a sua reflexão pelos pensadores dos séc. XVIII e XIX»
COSTA, Carlos Eduardo de Campo, 2018, “Otávio Augusto e a construção de suas redes político-religiosas pelo poder na Roma Antiga: um estudo sobre a clemência augustana”, in Corrupção, crimes e crises na Antiguidade.
JOLY, Fábio Duarte, «A dupla face da liberdade: o liberto na sociedade romana». Aqui:
http://www.revistatopoi.org/numeros_anteriores/topoi27/TOPOI_27_R01.pdf
IDEM, Libertate opus est: escravidão, manumissão e cidadania à época de Nero (54-68 d.C.) [Libertate opus est: slavery, manumission and citizenship in the age of Nero]. Curitiba: Editora Progressiva, 2010: https://www.academia.edu/4831469/Libertate_opus_est_escravid%C3%A3o_manumiss%C3%A3o_e_cidadania_%C3%A0_%C3%A9poca_de_Nero_54-68_d.C._Libertate_opus_est_slavery_manumission_and_citizenship_in_the_age_of_Nero_._Curitiba_Editora_Progressiva_2010

Servus/servi (os escravos)
O escravo era um ser humano (homem, mulher, criança) que se considerava como propriedade, ou res mobilis, coisa ou bem de alguém, sujeito à dominica potestas, ou seja, ao poder soberano do seu amo, para quem trabalhava e a quem devia completa obediência. Normalmente, caía-se na condição de escravo ao ser aprisionado na guerra ou sequestrado por piratas. Mancipium era a designação dos servos que os militares vendiam, os cativos de guerra, “tomados à mão” de entre os inimigos.
Até ao século III a. C., os Romanos podiam tornar-se escravos por dívidas, situação que se altera devido ao forte aumento de escravos prisioneiros de guerra, no século II a. C. Os filhos dos escravos nasciam automaticamente nessa condição.










Na fotografia: escravos romanos acorrentados. Ashmolean MuseumImagem
 a partir de Wikipédia: CC BY-SA 2.0ver termos Jun – Flic

Os romanos, tal como os outros povos que viviam à roda do Mediterrâneo, olhavam para a escravatura como algo normal e indispensável à vida da sociedade. Com efeito, o trabalho escravo era um elemento fundamental à economia romana, pois constituía o grosso da mão-de-obra. Estima-se que, no século I a. C., cerca de 30% da população era escrava. 
Os escravos faziam a maior parte do trabalho manual pesado, mas também participavam em ofícios e ocupações especializadas. Asseguravam o serviço doméstico e as tarefas da vida agrícola, mas trabalhavam, também, na mineração e em muitas outras atividades, como a de gladiadores e lutadores, atores, músicos, médicos, pedagogos, podendo, inclusive, ser membros de colégios sacerdotais.
Saliente-se que, nos séc. III – I a. C., se verifica, através dos escritos coevos de Catão, Varrão e Columela, uma divisão na utilização da mão-de-obra livre e escrava nas propriedades agrícolas romanas.[3]
O escravo doméstico tinha certos benefícios. Se lhe era negado o direito ao matrimónio legal (conubium), porque os serui não tinham estado civil, o escravo na casa do seu senhor (o dominus) possuía direito ao contubernium, ou seja, poderia fazer um contrato nupcial, com o consentimento dos seus senhores.
Não possuindo juridicamente direito a propriedade, ele poderia, contudo, receber do senhor o peculium, com o qual poderia eventualmente vir a comprar a liberdade. Com efeito, nem todos os escravos permaneciam nessa condição durante toda a vida. A liberdade podia ser-lhes concedida pelo seu senhor, fosse a troco de peculium aforrado, fosse como recompensa por um bom serviço ou como sinal de respeito e amizade.
A liberdade era, muitas vezes, atribuída após a morte do dominus, por disposição testamentária, embora com algumas restrições: não se podia libertar, por testamento, mais de 100 escravos e não podiam ser libertados escravos com menos de 30 anos.
Como já antes se referiu, a alforria de um escravo denominava-se manumissio (ação de libertar da mão) e podia ser realizada de várias maneiras. A mais antiga consistia numa cerimónia em que o senhor, o escravo e uma testemunha compareciam perante um juiz ou um magistrado – vindicta. A testemunha alegava que aquele escravo não pertencia àquele senhor e este não desmentia. Tocando na cabeça do escravo com a sua vara, o juiz declarava-o livre. Mas a manusmissio podia assumir uma forma mais singela, bastando o senhor declarar perante os amigos, em sua casa, que concedia a liberdade ao escravo, ou, então, simplesmente convidá-lo para jantar à mesa consigo. 
Um escravo que obtivesse a liberdade tornava-se um libertus. Para se poder vir a tornar um liberto, o escravo deveria pertencer a um cidadão romano, uma vez que, em certos casos, os escravos podiam possuir os seus próprios escravos, denominados de Vicarii.
Assume-se, assim, em Roma, que a liberdade é pertença do cidadão, Ciuis, apresentando-se o escravo como o seu oposto: desprovido de direitos políticos e de propriedade, era-lhe vedado participar nos cultos públicos, oferecer sacrifícios, colocar ações judiciais ou apelar ao julgamento do povo, caso não estivesse de acordo com uma sentença emitida pelo tribunal; não podia contrair uniões legais, nem tinha acesso às magistraturas e ao Exército; estava impedido de votar nos comícios ou assembleias das centúrias e das tribos; era-lhe vedado o uso da toga, que distinguia os Cidadãos. Apenas estes últimos usavam os tria nomina, os três nomes (o nome próprio, o nome da gens a que pertencia e o apelido).
Sobre a escravatura feminina, sabe-se das múltiplas atividades desenvolvidas pelas seruae, designadamente como reprodutoras, não se podendo esquecer a forte componente doméstica do seu trabalho. Mas foram também identificados muitos casos de escravas medicae, obstetrices, nutrices, bem como de paedagogaeeducatrices, lectrices et librariae, dedicando-se, portanto, a actividades relacionadas quer com a saúde, quer com a educação. Uma escrava a quem fosse dada a alforria tornava-se uma liberta. As libertas ganhavam a sua vida recorrendo às competências adquiridas quando eram escravas, podendo exercer os ofícios de cabeleireiras, costureiras, enfermeiras, ou tornar-se empregadas de lojas, artesãs ou mesmo agiotas. Algumas casavam com o seu antigo senhor.
Na Hispânia, a incidência das actividades dos escravos tem similitudes com o resto do Império e encontramos escravos nas actividades agrárias, em actividades artesanais e nas explorações mineiras, mas também na própria Administração. 


Mosaico com representação de Escravos servindo um banquete. Proveniente de Cartago. Século III.




[1] Paul Veyne,1991, Humanitas: “Romanos e não Romanos”, in O Homem Romano, Editorial Presença.
[2] Petrónio, Satyricon, tradução de Delfim F. Leão, Livros Cotovia, 2005.
[3] Ver: Fábio Duarte Joly, A Escravidão na Roma Antiga: Política, economia e cultura. 2005:28.

O Soldado (miles)
Parafraseando Carlos Fabião, diria que «Marte era o deus da guerra na complexa religiosidade romana, onde assumia também outras funções. Usualmente aparece representado com os atributos militares e, pode dizer-se, foi sob a égide desta divindade que se construiu o domínio romano na Península Ibérica».[1]
É, no fundo, sob a égide de Marte que os Romanos chegam até longas paragens. Mas, afinal, que força é essa, a de um exército que ficou na História, que levou longe os estandartes de Roma e que a tornou um dos maiores impérios do mundo? Como se compunha, afinal, este exército?
A divisão básica do exército romano é a Legião, a unidade em que reside o grande sucesso das campanhas militares. Era composta, basicamente, por soldados, chamados Legionários e Auxiliares.
Cada legião era designada por um número e um epíteto (por exemplo, Legio VII Gemina Pia Fidelis). Inicialmente, as forças auxiliares eram atribuídas às legiões, mas, gradualmente, acabaram por se tornar em unidades independentes. O Procônsul de cada província comandava as legiões aí estacionadas e o chefe de cada legião era um representante do imperador, por ele nomeado e destituído: o legatus legionis, que pertencia à ordem senatorial e que a comandava por um período de cinco anos.
No Império Romano, os legionários estavam organizados em pequenos grupos de 10. Os soldados eram voluntários vindos de todas as partes do Império, comprometendo-se a 25 anos de serviço exaustivo. Inicialmente, apenas eram integrados proprietários de terras e bens. Mas, no século I a. C., qualquer pessoa se poderia alistar, tornando-se os cidadãos legionários e os não-cidadãos soldados auxiliares. As legiões podiam variar em número de efetivos; a maioria tinha 4.800 homens, mas podiam chegar a 6.000 efetivos.
As coortes eram subdivisões das legiões, que, em número de dez, podiam ter aproximadamente 600 homens. Mas o elemento mais significativo da estrutura militar romana, tal como a legião, é a centúria, sendo o seu responsável o centurião. Como o nome indica, o centurião tinha a seu cargo 100 homens (algumas fontes referem 80, em vez dos 100) que compunham a centúria, ou seja, cada coorte tinha 6 centúrias. As cohortes urbanae, criadas por Augusto, em número de três, eram uma espécie de força policial urbana, que tinha como finalidade zelar pela segurança das cidades, sendo apenas em casos muito excepcionais levadas para o campo de batalha; ao que se sabe, o seu número foi elevado para quatro na dinastia flaviana.
A partir de Augusto, o exército romano torna-se uma profissão, chamando-se milites mei o laço que unia o soldado ao imperador e que estabelecia as suas obrigações e privilégios. O legionário era, normalmente, um cidadão com a idade inferior a 27 anos, alistado para servir 25 anos, sendo os seus últimos anos, como veterano, mais leves. Nessa altura, eram-lhe atribuídas terras (depois das reformas agrárias do século I d. C.) e outorgados outros privilégios.
Durante a época imperial, os requisitos para converter-se em legionário eram os seguintes: ser magro, mas musculoso; ter boa visão e audição. Era necessário saber ler e escrever e, acima de tudo, ser cidadão romano. Ao soldado (miles), era atribuído um soldo (stipendium), além de vários tipos de benefícios intermédios, financeiros ou jurídicos. As armas mais comuns que utilizava e transportava consigo eram:
 gladius – espada curta, de dois gumes, de mais ou menos 60cm, mais larga na extremidade (era a espada utilizada pelas legiões romanas). Era muito mais uma arma de perfuração do que de corte, ou seja, devia ser manipulada como um punhal, ou uma adaga, no combate corpo-a-corpo.
pugio – pequena adaga usada como arma auxiliar, ou de reserva. Era também uma arma comummente usada para assassinatos e suicídios, sendo reconhecido o seu uso na morte de Júlio César.
cingulum – cinto donde pendiam várias tiras de couro com discos metálicos que as mantinham esticadas.
lorica segmentata – armadura
scutum – escudo retangular, curvado, de madeira, forrado a couro e com reforços metálicos nas bordas e no centro, visando proteger a mão.
galea – capacete de ferro.
pilum – dardo que tinha quase três metros de comprimento, com uma flecha de metal que se torcia com o impacto, e que não era recuperada. Era composto, assim, de uma parte de ferro, mais fina e pontiaguda, e outra de madeira, maior e mais pesada.

Consigo, o legionário levava, ainda, uma bolsa de carga, sarcina, com alimentos que deveriam permitir-lhe sobreviver quase quinze dias, utensílios de cozinha e de construção, como estacas, sudes murales, e as sandálias, caligae. Como era altamente disciplinado e preparado fisicamente, fazia marchas longas com esse equipamento, que poderia pesar entre 20 e 50 quilos.
Mas existiam também soldados especializados em atividades secundárias, tais como a engenharia, a carpintaria e a medicina. Embora fossem poupados a algumas das tarefas mais duras, podiam ser, também, colocados em campo de batalha.
Os recrutas não tinham preparação prévia quando se alistavam e eram enviados para um acampamento onde havia soldados experimentados – esperava-os uma vida dura, mesmo quando não combatiam, levantando-se antes do alvorecer e desfilando mal se fardavam. Era nesse momento que era passada revista às tropas e eram dadas as instruções do dia. Os soldados rasos eram os milites gregarii.
A unidade mais pequena da legião era conhecida por contubernium, agrupando oito soldados que viviam na mesma tenda.
No aquartelamento, dedicavam-se ao exercício militar, faziam manobras, simulando o campo de batalha, para se manterem em forma, e superavam obstáculos carregados com as suas armas, ensaiando o seu uso. Marchavam em linhas paralelas, formavam círculos e cerravam ou afastavam as fileiras. Todos os meses realizavam marchas de cerca de 30km, carregando uma mochila com cerca de 30 kg, o peso que teria a sua roupa, os víveres e os utensílios que podiam usar na construção, pois a isso se dedicavam, apoiando os engenheiros. Eram os próprios soldados que colaboravam na construção das pontes, calçadas e aquedutos.
O pão era um alimento fundamental no Exército, de tal forma que muitos eram conhecidos pelas suas associações militares: Panis militaris – pão de soldado. Era comumente feito em duas variedades:
Castrensis: Pão de acampamento
Mundus: Pão de marcha
Panis nauticus:  Muito parecido com pão de soldado. Conhecido como biscoitos navio. (XXII-Plínio. N.H. 138).

Em terra, o Exército era composto por três ramos: a Infantaria, o mais numeroso, que era dividida em três categorias distintas de soldados, com posição fixa de batalha, combatendo em três filas:
• Hastati (os homens dos dardos) – os soldados mais novos e menos experientes. Cada um estava armado com duas lanças de arremesso – a hasta (dardo pesado) ou o pilum.
Principes – soldados mais velhos e experientes, usavam armas semelhantes aos hastati, e apoiavam os hastati, caso a linha inimiga aguentasse firme.
• Triarii – veteranos de guerra, que criavam uma parede defensiva por onde se escapuliam os príncipes, caso o seu ataque também falhasse.
A Cavalaria era considerada o ramo mais nobre. Na Artilharia pontuavam as catapultas, os aríetes e as torres de guerra.
As formações romanas tinham formatos rectangulares, constituídos pelos legionários. Cada coluna possuía um determinado número de linhas, que se diferenciavam por estarem mais próximas do inimigo, na vanguarda, ou mais afastadas, na rectaguarda. Os legionários que se localizam na primeira linha começavam o ataque ao inimigo com uma poderosa e destrutiva investida a curta distância, com o dardo, pilum, já acima referido; as fileiras imediatamente anteriores utilizavam lanças mais leves. No final da formação, localizava-se um corneteiro e, no meio, um porta-estandarte. Na lateral direita de cada formação ficava o centurião.
Os Decuriões encarregavam-se de organizar as fileiras. Após as primeiras cargas, os legionários travavam um combate corpo-a-corpo, utilizando a espada mais curta e muito afiada, o gladius. A formação era compacta e dava espaço à realização de outras táticas, a exemplo da formação Tartaruga (Testudo).
A águia era um símbolo da Roma Antiga, sendo usada pelo exército romano como insígnia das legiões romanas. No tempo de Gaio Júlio César era feita de prata e ouro. A partir da reforma de Augusto, passou a ser feita só de ouro. A águia era custódia da primeira coorte e só saía do acampamento romano em ocasiões raras, quando toda a legião se movimentava. Para garantir a sua segurança, havia um legionário, denominado aquilifer.

O Camponês



Podemos dizer que a Antiga Roma era fundamentalmente agrícola. Os grandes proprietários de terra que serviam o exército como oficiais – e não como simples soldados, como era o caso dos camponeses – tinham escravos que faziam todo o trabalho, bem como encarregados a quem deixavam o controlo das suas propriedades, não os prejudicando, por isso, ir para a guerra.
A maioria da população vivia da exploração de pequenas parcelas de terra. Havia, contudo, os ricos proprietários de latifúndios, que contribuíram para fazer aumentar os proletários que se deslocalizavam para os centros urbanos, especialmente para a cidade de Roma.
Como afirma Jerzy Kolendo, «A propriedade não é uma condição necessária para se ser camponês: a par dos camponeses livres, que cultivam a sua própria terra, existem grupos muito consistentes de indivíduos que trabalham terras pertencentes a outros, a quem estão ligados por relações mais ou menos estáveis, ou a quem emprestam eventualmente a sua força de trabalho.»[2]
Este historiador especifica assim a terminologia romana para “camponês”:
«O termo fundamental era rusticus (derivado de rus, “campo”m e oposta a urbs, «cidade».
Porém, lembra Jerzy Kolendo, este termo também podia ser utilizado como conotação de “simples”, “modesto”, e até mesmo no sentido de “grosseiro”, “incivilizado”.
«Outros dois termos principais – agricola e colonus – associam-se a diferentes aspectos da vida rural. Ambos estão ligados ao verbo colo, «cultivar»: «deste verbo» diz Santo Agostinho «tomam o nome quer os agricultores quer os colonos» (A Cidade de Deus, 10.1)» rural)». [3]
Agricola (“agricultor”), tanto pode designar o camponês que trabalha a sua parcela de terra como o rico proprietário.
Colonus (colono), além de ser sinónimo de agricola, pode aplica-se ao pequeno agricultor, ao habitante de uma colónia que recebe terras para cultivar, e ao camponês arrendatário. Ou seja, os três termos diferenciavam-se apenas no contexto em que eram utilizados, pois todos significavam “lavrador”, “cultivador”. Esse grupo de camponeses, homens livres, não pertencentes à ordem senatorial ou à ordem equestre, formava a plebs rustica (plebe).
Em Roma, de início, os lavradores formavam a vanguarda do patriciado e só os proprietários de terras podiam comandar a defesa.
Viviam tradicionalmente da auto-suficiência, ou sejam à margem dos circuitos mercantis.
Nos primeiros tempos de Roma, cultivavam-se principalmente cereais, leguminosas e hortali­ças, mas, a partir da Época de expansão republicana e imperial, a agricultura passou a incluir o trigo em grande escala, visando o fabrico do pão, bem como a vinha e a oliveira, tendo-se de­senvolvido as prensas de azeite, o regadio, a enxertia e a poda.
As técnicas agrícolas baseavam-se no uso do arado romano, puxado habitualmente por bois.
Na época de Augusto (44 a. C. - 14 d. C.) assiste-se ao enaltecimento da agricultura, durante a chamada Pax Augusta, que se foi dilatando a todo o Império.
Mas a condição de camponês sofreu múltiplos revezes e progressos, a que não são alheias as lutas agrárias dos plebeus, que originaram a distribuição de terras, o abandono dos campos face ao êxodo dos camponeses para as cidades em crescimento e, claro está, a própria guerra.
As múltiplas reformas promovidas durante a República a exemplo das dos Gracos, pretendendo equilibrar a propriedade das terras, são disso exemplos.
Era costume dar porções de terra a legionários quando terminavam os seus serviços militares. No século I a. C. assiste-se a novas reformas, mas que visavam entregar terras aos veteranos.
Augusto acrescentou a essa prática a de fazer gratificações monetárias.
Vergílio, enaltecendo a agricultura e, como bem nos recorda Maria Helena da Rocha Pereira, “instigado pelos conselhos do Imperador, que deseja extrair da agricultura e do interesse pela terra o manancial de virtudes que outrora ela despeitara nos romanos, construirá as suas Geórgicas, sem dúvida o poema de mais acabado engenho da Literatura Latina.”
O poeta pretende ainda enobrecer o trabalho árduo nos campos e os resultados que pode trazer e fazer o apelo ao camponês idealizado dos tempos da Monarquia e da República, quando a sociedade romana era uma sociedade estruturalmente camponesa.
Plínio-o-Velho (23 d. C. – 79 d. C.) é testemunha da inércia de que parece sentir-se na agricultura dos primeiros tempos do Império.
«A dialética pioneira de Catão, Varrão e Columela, parece que conseguiu ser ouvida; os instrumentos aratórios foram aperfeiçoados, ao mesmo tempo que se estabeleceu a prática da irrigação tão antiga no Egito e Mesopotâmia. O uso de adubos também se generalizou.
Pergunta-se então: por que teria havido essa verdadeira revolução agrícola? Uma explicação poderia ser encontrada na diminuição da mão-de-obra escrava, pois que as guerras de conquistas vão terminar: o Império entra de manutenção do status quo, cai na defensiva no limes. A melhoria técnica foi a única resposta possível à diminuição do braço escravo. Outra consequência foi o aparecimento de um outro tipo de exploração agrícola — o colonato».[4]
Contudo, estudos recentes demonstraram que «debe ser reducida a sus justos límites la afirmación de Plinio de que los latifundios perdieron a Italia. Pues salvo regiones situadas al norte del Po, Etruria y el sur de la península, el régimen de latifundio (tal como se entiende hoy en español) no era el dominante. Predominaban las pequeñas y medianas propiedades. Otro problema distinto lo constituían los grandes propietarios: miembros de orden senatorial y del ecuestre que poseían varias fincas de extensión media en Italia y en las provincias dando así un importante sector de absentistas. Los modelos de fincas rústicas, villa, contemplados por los tratadistas de agricultura pueden servir para entender la organización de este tipo de explotaciones»[5].
Relativamente aos colonos, coloni, também referenciados em Columella (I, 7, 6) como camponeses que trabalham um lote de terra  que não era sua propriedade, mas arrendado,  ou explorado em parceria, valerá a pena ler o notável trabalho, datado de 2000, “Algunas cuestiones sobre la familia campesina en el Alto Imperio: el ejemplo del Sureste peninsular de María-Juana López-Medina, Gérion, nº 18.
A realidade agrícola era, portanto, bastante complexa em Roma, pois proprietários, rendeiros ou assalariados espelhavam realidades muito diferentes.
Salientamos ainda as palavras da autora acima mencionada no que se refere à complexidade e dificuldade dos estudos desenvolvidos na Península Ibérica:
«Hemos visto cómo los estudios arqueológicos para época romana en la Península se han interesado principalmente por las grandes ciudades, las ciudades modelo romanas desde el punto de vista urbanístico. Esta misma idea de monumentalidad también ha incidido en un primer momento en el análisis de las construcciones rurales. Así pues, la preocupación de la arqueología en este sentido ha sido el hallazgo de grandes estructuras que se pueden identificar como villae, generalmente se trata de construcciones que superan 1 Ha. Igualmente, dentro de éstas, la excavación se ha centrado en su pars urbana o residencial, puesto que es la parte más espectacular; en ésta suelen aparecer restos ornamentales con dependencias más lujosas decoradas con estucos pintados o mosaicos. Actualmente esta visión tiende a ser superada, y cada vez están cobrando más importancia los análisis de las partes dedicadas a las funciones económicas de la villa, es decir, a la pars rustica y a la pars fructuaria.
Sobre o mundo agrícola encontramos muitas referências latinas, quer seja em Varrão (116-27 a. C.), quer em Columella (Lucius Junio Moderatus Columella, nascido em Cádis (4 d.C -  70 d. C.), autor da obra De re rustica.
Marco Pórcio Catão, (234 a.C. - 149 a.C.), escreveu um tratado, uma espécie de manual chamado De Agri Cultura sobre a forma como se devia dirigir uma propriedade rural, no qual se podem encontrar também orientações para os cuidados médicos a ser adoptados com os escravos e com o gado.
Também o grande naturalista Plínio-o-Velho, (Como, 23—Estábia, 79), autor da História Natural é uma fonte fundamental para conhecer a agricultura de Época Romana.


Sugestões de leitura:
Sobre este tema, para além dos trabalhos mencionados ao longo do texto, sugerimos ainda a leitura de:
MARTIRE, Alex, 2008, Plebs Urbana na Roma Antiga. Vida e Trabalho.
PAULA, Eurípedes Simões de. “A técnica e a evolução da agricultura em Roma”. In: SIMPÓSIO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO DOS PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS DE HISTÓRIA, 9., 1977, Florianópolis. Anais do IX Simpósio Nacional da Associação dos Professores Universitários de História. O homem e a técnica. São Paulo: [ANPUH], 1979. v. 1, p. 275-276
ROCHA PEREIRA, Maria Helena da, 2015, Estudos sobre a Roma Antiga. A Europa e o Legado Clássico, Fundação Calouste Gulbenkian. Imprensa da Universidade de Coimbra.
SILVA, Gilvan Ventura da SilvaNorma Musco MendesRepensando o Império Romano. Mauad Editora Ltda, 2006  Aqui
VERGÍLIO, Geórgicas, 2019, (Trad. Gabriel A. F. Silva). Livros Cotovia
VIRGÍLIO, Bucólicas, (Tr. Agostinho da Silva). Temas e Debates, 1997.


Os Gladiadores
Os gladiadores eram lutadores que participavam de torneios de luta na Roma Antiga. De origem escrava, estes homens eram treinados para estes combates, que serviam de entretenimento para os habitantes de Roma e das províncias.

 Vidro romano com representação de gladiadores. Museu Gallo Romano de Lyon


Gladiador – «A Morte e o Triunfo», Exposição do Museu e Parque Kalkriese. «Caneleiras de gladiador procedentes de Pompeios, decoradas com relevos de Júpiter (esquerda) e Neptuno» (direita). Fotografia de Carole Raddato.
A partir de: Traianvs. Ingeniería Romana. Aqui


Os gladiadores eram escolhidos entre os prisioneiros de guerra, criminosos e escravos, podendo tornar-se quase como heróis populares com a fama obtida. Os mais bem sucedidos ganhavam, além da popularidade, muito dinheiro e, com o tempo, podiam largar a carreira de forma honrosa. Os seus combates na arena atraíam milhares de fãs e era através da sua fama e número de vitórias obtidas que poderiam alcançar ou comprar a liberdade. 
Estes privilegiados obtinham uma pensão do império e um gládio (espada de madeira simbólica). Aliás, é o gládio, espada curta de dois gumes utilizada por esses lutadores, que está na origem do seu nome.
Esses escravos eram geralmente mais bem tratados do que os restantes escravos de Roma, porque recebiam uma boa alimentação – vale a pena salientar que a sua dieta era basicamente vegetariana, pois a carne era muito cara na época –, cuidados com a sua saúde, além de outros cuidados para garantir a sua integridade física. Tudo isso porque os gladiadores viabilizavam muitos rendimentos aos seus senhores, uma espécie de empresários especializados em alugar esses lutadores para os espectáculos. Designava-se lanista o proprietário e empresário de gladiadores.
Nas arenas (claro que a mais famosa era o Coliseu de Roma), os gladiadores podiam lutar entre si até que um deles morresse ou ficasse ferido de modo a não poder continuar o combate. Neste caso, o gladiador podia implorar misericórdia. A decisão cabia ao imperador, ou outra autoridade que presidisse aos jogos. Aceitava-se que expressaria a vontade da multidão em gritaria e que determinaria com o polegar virado para cima ou para baixo o destino do vencido, embora actualmente se ponha em causa esta interpretação, pois o investimento feito num gladiador era extremamente elevado.
Usavam vários tipos de armamento, como as espadas, escudos, redes, tridentes, lanças, etc. Participavam, também, em lutas, montados em cavalos ou usando bigas, carros romanos puxados por dois cavalos. Muitas vezes estes gladiadores eram colocados na arena para lutar com feras, como leões, onças e outros animais selvagens.



Fresco com representação de luta de gladiadores, Pompeios.
Fotografia a partir daqui

Na sua maioria eram homens, mas havia, também, combates entre mulheres, que lutavam até à morte. De acordo com o biógrafo Suetónio, o imperador Domiciano (reinou 81-96 d.C) fez as mulheres lutarem na arena à noite iluminadas com tochas
Aliás, esses duelos eram eventos especiais na programação dos jogos. Alguns pesquisadores acreditam que, para “animar a equipa”, as gladiadoras não usavam capacetes e lutavam com, pelo menos, um seio à mostra.



Gladiadora. Pompeios. fotografia de Alfonso Manas

Embora proibidos em 325, por Constantino, os combates de gladiadores continuaram a ocorrer por mais de um século, de forma clandestina.


Luta de gladiadores. Séculos II-III d.C. Necrópole de Kibyra. Museu de Burdur. Fotografia a partir de: Following Hadrian. Aqui  https://www.facebook.com/photo.php?fbid=538943486231933&set=a.260113100781641.61354.178897115569907&type=1&theater



Havia vários tipos de gladiadores, em Roma, seis pelo menos:
O trácio. Os trácios eram os únicos a lutar com a sica, uma espada curva. Como usavam um escudo pequeno, eles tinham, também, chapas de metal para proteger as pernas. O capacete com plumas era outra marca registada.
O secutor. Treinado para defrontar o retiarius, era um “tanque de guerra” bem protegido. Tinha um grande escudo retangular e capacete mais liso (para não se prender na rede do retiarius) e com pequenos buracos para os olhos (para evitar as pontas do tridente). A sua arma era uma espada.
O dimachaerus. Há poucos registos sobre este tipo de gladiador – os historiadores não sabem ao certo quem ele enfrentava nas arenas. Mas, pelo facto de usar só duas espadas, alguns especialistas acreditam que o dimachaerus era um dos gladiadores mais bem treinados.
O retiarius. Era o tipo mais ágil e veloz, mas também o mais indefeso, pois tinha pouca proteção – nem sequer usava capacete. Defrontava gladiadores “pesados”, como o secutor, usando só uma rede e um tridente. Para finalizar a luta, contava, ainda, com uma adaga.
O murmillo. Tinha o apelido de “homem-peixe” por usar um capacete com o desenho de um peixe na lateral. As armas e proteções eram similares às do secutor, podendo variar o escudo. As lutas entre trácios, murmillones e retiarii eram consideradas os verdadeiros clássicos das arenas.
O hoplomachus. Homenageava os guerreiros das falanges gregas, por isso usava uma lança, que podia ser utilizada juntamente com uma adaga ou com uma espada. Tinha boas proteções para o corpo, como o secutor, mas tinha de se proteger apenas com um pequeno escudo circular.
            Para além destes, havia gladiadores que lutavam a cavalo. Eram eles:
Os andabatae. Combatiam com um capacete com o visor tapado – um combate às cegas, sem escudo, e usando apenas uma espada. Eles não eram do mesmo nível dos outros gladiadores e serviam mais como um “alívio cómico” durante os jogos.
Os equites. Gladiadores montados, bem mais sérios do que os andabati, combatiam entre si com uma lança e um escudo circular médio. Em alguns duelos, trocavam a lança por uma espada. Os equites podiam lutar em pares ou em grupos, atuando como uma cavalaria.

A juntar aos gladiadores, havia ainda os bestiarii, que defrontavam os animais na arena, e os venatores, que lhes davam caça. Nem uns nem outros eram considerados propriamente gladiadores.
Representação de luta de Gladiadores. Mosaico romano proveniente de Gerona. Museo Arqueológico de Barcelona
Mosaico com representação de cena de luta de gladiadores. o secutor Astyanax e o retiarius Kalendio. Na cena superior, mostra-se o vencedor Astyanax em atitude de dar o golpe mortal com a espada, a Kalendio. O lanista incentiva-os a combater.

O lanista, que comprava os gladiadores e os ensinava a combater, era proprietário de vários gladiadores e fornecia-os aos espectáculos; era, também, o mestre de armas e professor da companhia. Usava um bastão, como marca de sua autoridade sobre os gladiadores e animava-os a combater.

Sobre os Gladiadores

BLÁZQUÉZ, José María, Representaciones de gladiadores en el Museo Arqueológico Nacional, Zephyrus (Ediciones Universidad de Salamanca) 9, 1958, 79-94


SUGESTÕES DE LEITURA GERAIS

CARCOPINO, Jérôme, A Vida Quotidiana em Roma. Edição Livros do Brasil, Lisboa
COULANGES, Fustel de, 1988, A Cidade Antiga, Clássica Editora.
DUBY, Georges (direcção), 1989, A Civilzação Latina, Dos tempos Antigos ao Mundo Moderno,  Publicações Dom Quixote.
ÉTIENNE, Robert, A Vida Quotidiana em Roma, Edição Livros do Brasil, Lisboa.
GRIMAL, Pierre, 2017, A Civilização Romana, Medina
ROCHA PEREIRA, Maria Helena, Estudos de História da Cultura Clássica (Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, vol. I, Cultura Grega, 12.ª ed., 2012; vol. II, Cultura Romana, 3.ª ed., 2002).
FUNARI, Pedro Paulo, 2001, Grécia E Roma. Editora Contexto.
VEYNE, Paul, 1990, A Sociedade Romana. Edições 70
GRENIER, Albert, 1969, Le Génie Romain dans la Religion, la Pensée e l’Art. Éditions Albin Michel



«Taça de vidro pintado. Museu de Vindolanda. Importado da Renânia. É uma taça de vidro caro, que oferece uma cena de combate de gladiadores. Inclui um retiarius e um secutor». Legenda e imagem  a partir de Aqui



[1] Carlos Fabião, 2006, A Herança Romana em Portugal, CTT Correios de Portugal.
[2] Jerzy Kolendo, 1992, “O Camponês”,  in O Homem Romano. 1992, Editorial Presença,

[3] Idem, 1992, p. 169.

[4] Cit. PAULA, Eurípedes Simões de. "A técnica e a evolução da agricultura em Roma". In: SIMPÓSIO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO DOS PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS DE HISTÓRIA, 9., 1977, Florianópolis. Anais do IX Simpósio Nacional da Associação dos Professores Universitários de História. O homem e a técnica. São Paulo: [ANPUH], 1979. v. 1, p. 275-276. Aqui: http://anpuh.org/anais/wp-content/uploads/mp/pdf/ANPUH.S09.12.pdf