sexta-feira, 8 de março de 2019

DE EVA ÀS DIVINDADES FEMININAS



DE EVA ÀS DIVINDADES FEMININAS EM ROMA
Filomena Barata




Texto de apoio elaborado para a Acção do Dia Internacional da Mulher no Museu Nacional de Arqueologia

2017



«Os Romanos continuaram um uso que existia antes deles. Perto do Mar a Lua brilha como um fogo. Fogo sobre a água mas também fogo sobre trovão. Dali vê-se tudo o que acontece no mar ali. A mesma deusa Lua e Água Astarté e Artemisa. Num só lugar adorava-se a ambas excesso de positividade. Falo entenda-se do culto da Lua especializado a Sintra».


(José Leite de Vasconcelos)



À minha filha Mariana Lampreia.

Á Cristina Duarte
A Pandora




Vaso grego com representação de Pandora. Fotografia a partir de Aqui


«Antes de facto habitava sobre a terra a raça dos homens,
a resguardo de males, sem a penosa fadiga
e sem dolorosas doenças que aos homem trazem a morte.
Mas a mulher, levantando com a mão a grande tampa da jarra,
dispersou-os e ocasionou aos mortais penosas fadigas.
E ali só a Esperança permaneceu em morada indestrutível
dentro das bordas, sem passar a boca nem para fora
sair, porque antes já ela colocara a tampa na jarra,
por vontade do deus da égide, Zeus que amontoa as nuvens».

Hesíodo, Trabalhos e Dias, (Introdução, Tradução e Notas Ana Elias Pinheiro e José Ribeiro Pereira). Ed. Imprensa Nacional - Casa da Moeda. 2014.



A todas as Evas que eu conheço, mas que se libertaram da estrita visão bíblica.

Evas só conheço duas: a do “Paraíso Perdido” e do “Pecado Original” e uma Eva Cantarella que se dedica, já há muito, 
ao estudo da Mulher Romana.





Pormenor de mosaico representando a Deusa Vitória. Século IV. Villa Romana de Pesquero, Pueblonuevo de Guadiana. Museo Arqueológico de Badajoz
Fotografia de Vicente Novilho, a partir de aqui


Talvez por esta última ser também Eva, e talvez por eu tanto gostar da Civilização romana, resolvi não me centrar na Eva do Éden e do Génesis, remetendo aqui para o texto de José Augusto M. Ramos, «A Mulher na Bíblia», publicado no link que abaixo referenciamos.

Segundo esse autor, se num primeiro quadro bíblico a situação do Homem e e da Mulher aparece de forma quase equidistante «Deus criou o ser humano à sua imagem, criou-o à imagem de Deus; Ele os criou homem e mulher». A imagem de unidade que aqui se exibe faz-nos pensar na fórmula solidária e igualitária de uma personalidade corporativa», já no segundo quadro bíblico, «que ocupa praticamente todo o terceiro capítulo do Génesis descreve as fragilidades e degradações que vieram a caracterizar a condição da mulher. O próprio desejo que sentirá pelo homem acaba por revelar um certo aspecto castigador. A dialéctica entre esta situação de desejada e simultaneamente de secundarizada e submissa é, por sua vez, expressa por uma nova nomeação da mulher como hawwah, Eva, isto é «progenitora de viventes», laboriosa e espinhosa tarefa ou profissão. Este estatuto de secundariedade e submissão ocorre, apesar da unidade afirmada e apesar de alguma primazia da mulher proclamada quanto à sociologia do casamento. Por esse motivo, o homem «deixará o pai e a mãe, para se unir à sua mulher (…) Mas a questão da fragilidade fragilizadora do feminino (Eva e a tentação) é um tema que se encontra prolongado na mentalidade hebraica e repetido até à saciedade na sua literatura moralista. É daqui que nos vem algumas das ideias mais negativas da literatura bíblica sobre a mulher» (RAMOS, 2001, p: 30.

Contudo, a leitura bíblica que acabou por vigorar foi a imagem de uma Eva que representava a submissão e secundariedade e em relação ao seu criador, Adão.

E se os deuses ou figuras divinas espelham as sociedades, Eva será, no fundo, acabará por representar o que era espectácvel de uma mulher hebraica.

Ao ler a Teogonia e os Trabalhos e Dias de Hesíodo, somos confrontados com a genealogia dos deuses que nos remete a uma sucessão de violências exercidas por Titãs e Deuses a fim de obterem a soberania. É através da violência que se consolida o poder de Urano, Cronos e Zeus.

Cronos, considerado o mais jovem da primeira geração de titãs, era a personificação do Tempo, era também o deus grego da agricultura, das sementeiras.
Ao destronar o seu pai, atingindo-o com uma gadanha e cortando os seus testículos, Cronos torna-se o Rei dos Céus e o seu reinado (segunda geração divina) ficou conhecido como a “Idade do Ouro”, segundo o poeta Hesíodo. O seu poder adquire-se, portanto, através da violência, pois decepa os próprios testículos do pai, cujo sangue, segundo algumas versões da lenda, dará origem a Vénus.

Cronos assume, contudo, o papel de libertador de sua mãe, Terra (Gaia, Geia) contra o pai, Céu (Urano/Saturno), que lhe deu inúmeros filhos, mas eram mantinhos presos no Interior da Terra.


Tellus, a Geia grega, com os seus quatro filhos, provavelmente as Estações, acompanhada por Aeon-Cronos com o Zoodíaco.


«Quantos tinham nascido da Terra e do Céu,
Os mais terríveis filhos, todos odiaram o seu progenitor,
desde o início. Pois, quando estavam prestes a nascer, logo
os escondia a todos e os privava da luz,
nas entranhas da Terra. Este feito hediondo comprazia-o a ele,
o Céu; mas, ela, a enorme Terra, gemia, com as entranhas
cheias, e concebeu uma cruel e pérfida vingança.
Depressa criou uma espécie de aço brilhante
E com ele fez uma grande foice e dirigiu-se aos filhos queridos.
Então, incitou-os, dizendo, com o coração ensombrecido:
“Filhos, meus e de um pai cruel; se quiserdes,
fazei o que vos peço; vamos castigar a cruel ação do vosso
pai, pois foi ele quem primeiro se lançou em obras infames”.
Assim falou. O terror apoderou-se de todos, mas nenhum deles
disse palavra. Só o grande Cronos de pensamentos tortuosos,destemido,
se dirigiu de imediato com estas palavras à mãe veneranda:
“Mãe, eu vou tomar a meu cargo executar
tal tarefa; não tenho medo de um pai cujo nome não deve pronunciar-se,
o nosso, pois foi ele quem primeiro se lançou em obras infames”.
Assim falou. E no seu espírito, regozijou-se a enorme Terra»
Hesíodo, Teogonia, (tr. Ana Elias Pinheiro e José Ribeiro Ferreira, Imprensa NacionalCasa da Moeda, 2014

File:Aion mosaic Glyptothek Munich W504.jpg

(Mosaico proveniente de Sentinum, 200-250 d.C , Glyptothek).
Fotografia a partir de Aqui.
By User:Bibi Saint-Pol, own work, 2007-02-08, Public Domain,


A Terra, identificada também com a deusa grega Geia, assim nos é descrita por Ovídio, no episódio de devastação pelo fogo, provocada por Faetonte, conduzindo o carro desgovernado de seu pai, Febo:

«A Alma terra, por seu turno, rodeada que estava pelo mar,

entre as águas oceânicas e as fontes que, por toda a parte,
encolhidas, buscam refúgio nas escuras entranhas da mãe,
ergueu a custo, árida, até ao pescoço, o rosto sufocado;
e pondo a mão à frente da testa, com um enorme safanão
tudo fez estremecer. Instalando-se um pouco mais baixo
do que é costume, com voz alquebrada, assim falou:
«Se é isto que queres e mereci, que aguardam os teus raios,
ó deus supremo? Se vou perecer pela violência do fogo,
dá-me perecer pelo teu fogo para a desgraça ser mais leve,
sendo tu o autor (...)
Esta é a paga que me dás, esta a recompensa pela fertilidade
e os meus serviços, por eu suportar as feridas do arado
adunco e das enxadas, e por me afatigar o ano inteiro
por prover o gado de folhagens e a raça humana de cereais
(...)
Pois se consideração nem por teu irmão nem por mim te toca,
ao menos condói-te do teu próprio céu!
(...)
Se os mares, se as terras, se o palácio celeste perecerem,
voltamos à amálgama do Caos primordial. Salva das chamas
o que ainda restar, se ainda restar algo, e olha pelo universo».
Assim falara a Terra (já não conseguia mais aguentar
o calor, nem dizer nada mais). E enfiou de volta a cabeça
em si mesma e nos antros mais próximos dos defuntos.
Então, o pai omnipotente chama os deuses para testemunhar. (...)
Depois, sobe à cidadela lá no alto (...)
Troveja, e, balançando um raio junto à orelha direita,
dispara-o contra o cocheiro, cuspindo-o, a um tempo, da vida
e do carro. E assim, com o seu cruel fogo, extinguiu o fogo».


Ovídio, Metamorfoses, Livro II. Livros Cotovia, 2007.


O pai dos deuses do Olimpo, sentindo-se ameaçado no seu poder pelos homens, não podia deixar passar em branco a afronta de Prometeu e concebeu um castigo terrível para a humanidade: teve então a ideia de criar a mulher, a partir de uma estátua de bronze. Zeus ordenou então que, com a ajuda de Atena, Hefesto, o deus ferreiro, criasse a primeira mulher, Pandora, a partir de uma estátua de bronze, que significa ‘todos os dons’.

Cada um dos deuses a presenteou e dotou com uma das suas características: Afrodite deu-lhe beleza e o poder da sedução; Atena fê-la arguta e concedeu-lhe a habilidade dos lavores femininos, tendo-lhe ainda oferecido um belíssimo vestido que permitia ver as suas formas suaves; Hermes deu-lhe a língua e a capacidade de mentir e de enganar os outros. Apolo deu-lhe a voz macia.

De Zeus, Pandora recebeu uma caixa que deveria entregar aos homens. Com a missão de destruir a raça humana, Pandora desceu à terra, encontrando Epimeteu que se apaixonou perdidamente por ela. Esquecendo a promessa que havia feito ao seu irmão Prometeu, que nunca receberia nada que fosse dado por Zeus, Epimeteu recebe de Pandora a caixa na qual foram colocados todos os males da humanidade, como o orgulho, a ambição, a crueldade, a traição, as doenças, as pestes. No fundo da caixa havia um único bem capaz de salvar a humanidade, a esperança. Mas, após saírem todos os males, Pandora fecha a caixa impedindo que a esperança fosse recebida pelos homens. Assim, perdeu a raça humana, o “paraíso”, sendo, doravante a mulher culpada dos males, como nos descreve Hesíodo:

«Antes de facto habitava sobre a terra a raça dos homens/,
a resguardo de males, sem a penosa fadiga/ e sem dolorosas doenças que aos homens trazem a morte./
Mas a mulher, levantando com a mão a grande tampa da jarra,/ dispersou-os e ocasionou aos mortais penosas fadigas./
E ali só a Esperança permaneceu em morada indestrutível/
dentro das bordas, sem passar a boca nem para fora/
sair, porque antes já ela colocara a tampa na jarra,/
por vontade do deus da égide, Zeus que amontoa as nuvens./
Outras infinitas tristezas vagueiam entre os homens;/
e cheia está a terra de males, cheio se encontra o mar;/
as doenças entre os homens, de dia e de noite,/
vão e vêm por si, trazendo males aos mortais/
em silêncio, já que da voz as privou o prudente Zeus».

Hesíodo, Trabalhos e Dias, (Introdução, Tradução e Notas Ana
Elias Pinheiro e José Ribeiro Pereira). Ed. Imprensa Nacional – Casa
da Moeda. 2014

Assim, partindo de Pandora, prender-me-ei um pouco mais na mitologia do que genericamente se designa como “Antiguidade Clássica”; no seu universo feminino, seguindo sempre que possa os escritos que dessa época existem.

No seio dos “deuses supremos” do Olimpo temos a possessiva e ardilosa Hera, sendo sua homóloga a romana Juno, esposa de Zeus-Júpiter; a poderosa Atena, a caprichosa Afrodite/Vénus, a protectora das margens, da natureza selvagem de das mulheres, Artemisa/Diana, e a discreta Héstia. Estas personagens femininas desempenham um papel fundamental na trama que se constrói entre as entidades divinas, bem como entre estas e os Humanos. E que não são apenas a imagem da Mulher tentadora como a Eva bíblica que, embora bem mais rica do ponto de vista simbólico, a tradição judaico-cristã reduziu a uma figura manchada pelo pecado.

Hera, a esposa sempre ferida, encontra mil formas de se vingar das amantes de Zeus. É, afinal, uma divindade que funciona como espelho do poder masculino. A sua violência tem em IO o seu expoente. Mas dela não se livrou também a mãe de Apolo, nem Sémele. ........

Ela era, afinal, a esposa oficial de Zeus, a quem Gaia ofereceu as maçãs de ouro, ou da imortalidade, como presente nupcial.
Hera plantou-as num jardim nas paragens longínquas do Ocidente, perto do Monte Atlas, onde ficaram à guarda das Hespérides.
As Hespérides, ou ninfas da Hespéria e filhas de Héspero, ou seja, ninfas do Ocidente e de uma serpente de grande porte da prole de Equidna e Tifão: o dragão ou serpente imortal de 100 cabeças chamado Ládon.
Hesíodo refere as Hespérides por três vezes na sua "Teogonia", dando-as como filhas da Noite ou de Keto, e habitando próximo do lugar onde Atlas segurava o vasto céu.

As vinganças de Hera são uma constante, e Dioniso/Baco é, entre tantas outras, um filho ilegítitmo que sofre um longo caminho de provações, muitas delas infligidas por Hera.

Uma das lendas sobre o deus grego do vinho dá conta que o seu nome original seria Zagreu, filho de Zeus que, sob a forma de serpente, violou Perséfone, a senhora do submundo onde reinava Hades, embora outras narrativas o refiram como filho de Hades.  
Zagreu era a criança eleita por Zeus para o substituir no governo do Olimpo, teve, contudo, outro destino.

Para proteger o filho dos ciúmes de Hera, Zeus confiou-a aos cuidados de Apolo e dos Curetes, deuses das montanhas, que o esconderam nas florestas do monte Parnaso.

Hera descobriu o esconderijo e encarregou os Titãs de raptá-lo e matá-lo. Disfarçados, os Titãs atraíram o pequeno Zagreu com brinquedos: ossinhos, pião, crepundia (chocalhos, argolas), amuletos e um espelho.

Depois os enviados de Hera desfizeram-no em pedaços, cozinharam as carnes num caldeirão e devoraram-no.

Zeus fulminou os Titãs e das suas cinzas nasceram os homens, explicando-se assim as suas duas facetas:  o mal, vindo dos Titãs, e o bem, vindo do Zagreu devorado.

Segundo outra versão, terá sido Atena (ou Deméter noutra lenda) a salvar-lhe o coração que ainda palpitava e, engolindo-o, a princesa tebana Sémele engravidou do segundo Dioniso.

Aceita-se ainda numa outra das versões que o coração de Zagreu tenha sido reduzido a pó que foi dado a beber a Sémele, que assim ficou grávida.

O filho de Zeus e da mortal Sémele viria a ser o famoso Dioniso, deus do vinho e da vinha, que, na verdade, era uma reencarnação do falecido Zagreu, conhecido entre alguns autores como o "primeiro Dioniso“. Por isso, ele é chamado “duas vezes nascido” ou “o de duplo nascimento” (dio-nisio).

Hera, ao ter conhecimento das relações amorosas de Sémele com o seu esposo Zeus, resolveu eliminá-la. 

Transformando-se na ama da princesa tebana, aconselhou-a pedir ao amante que se apresentasse em todo o seu esplendor.  O deus advertiu Sémele que semelhante pedido lhe seria funesto, uma vez que uma mortal não suportaria a epifania de um deus imortal.  Mas, como havia jurado pelas águas do rio Estige jamais contrariar-lhe os desejos, Zeus apresentou-se com seus raios e trovões e ela morreu fulminada, salvando-se apenas o seu filho.

O feto do futuro Dioniso, foi salvo por Zeus que o recolheu do ventre de Sémele e o colocou na sua coxa, até que se completasse a gestação normal. 

Mas o longo caminho de Baco não termina por aqui.

Temendo novo estratagema de Hera, mal nasceu o filho de Zeus, Hermes recolheu-o e levou-o às escondidas para a corte de Átamas, rei beócio, casado com a irmã de Sémele, Ino, a quem o menino foi entregue.  Irritada, Hera enlouqueceu o casal que matou os seus filhos.

Zeus transformou o filho num menino (ou em bode, segundo algumas narrativas) e ordenou que Hermes o levasse para o monte Nisa, onde foi confiado aos cuidados das Ninfas e dos Sátiros, que lá habitavam numa gruta profunda. 

Ainda assim a saga não termina e, enciumada, a deusa Hera transforma Baco já adulto num louco a vaguear pelo mundo.

Ao passar pela Frígia, foi curado e instruído nos rituais religiosos pela deusa Cibele.  Na Frígia, conheceu Cíbele, deusa da natureza e abundância, que o curou e o iniciou em seus ritos religiosos.

Assim, Baco começou a juntar discípulos por onde andava, ensinou-os a cultura da vinha e os seus mistérios por toda a Ásia.

As ménades, também conhecidas como bacantes, lenai, tíades ou coribantes (estas últimas ligadas ao culto de Cibele na Lídia) são as seguidoras de Baco, participantes das orgias e aliadas nos seus confrontos com tiranos.

Buscavam a vida nos bosques e dedicavam-se à dança, a festins de embriaguez e dilaceramento de animais selvagens.

São normalmente representadas nuas ou vestidas só com peles de veado, com grinaldas de Hera e empunhando um tirso.

Na presença do deus, ficam imbuídas do seu poder e podiam atingir o êxtase.





Hera-Juno estante, em posição frontal, com a cabeça voltada à direita ostentando diadema e vestindo longa túnica. Na sua mão direita, recuada e erguida à altura da nuca, segura, pelo topo, um ceptro (ligeiramente oblíquo) e na esquerda, estendida, talvez uma pátera. Cornalina. Séc. II-III d.C. Colecção particular.
Agradecemos a Graça Cravinho a fotografia e descrição acima.


Minerva, por sua vez,  é «filha de Zeus detentor da égide, Atena de olhos garços» (Hesíodo, Teogonia, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 2014).


«Zeus, rei dos deuses, tomou por primeira esposa Métis,
a que mais sabe sobre os deuses e os homens mortais.
Mas, quando ela estava prestes a dar à luz a deusa Atena de olhos garços,
nessa altura, ele enganou o seu espírito,
com palavras ardilosas, e engoliu-a no seu ventre,
por conselho da Terra e do Céu coberto de estrelas.
Ambos o aconselharam assim, para que o poder régio
não pertencesse a nenhum dos outros dos deuses
que vivem sempre, senão a Zeus.
Porque estava predestinado que dela nascessem filhos
muito inteligentes:
a primeira, a filha de olhos garços, a Tritogénea,
detentora de força e de uma sábia vontade igual à do pai;
depois seria a vez de um filho, rei de deuses e de homens,
que ela daria à luz, um filho de coração soberbo.
Mas, antes, Zeus engoliu-a no seu ventre,
para que a deusa lhe pudesse aconselhar o que é bom
e o que é mau»

(Hesíodo, Teogonia, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 2014)




Estatueta de Minerva. Cáceres el Viejo. Cáceres. Século I a. C. Museo de Cáceres.



 Estatueta de Minerva, Museu Nacional de ArqueologiaAqui



Sobre o peito tem a representada a égide de pele de cabra, presa por duas correias, onde está representada a Medusa, a que nos referiremos de seguida, pois a sua cabeça foi oferecida a esta divindade. A divindade, nascida da cabeça de Zeus, faz-se representar com o capacete coríntio. Pela posição dos braços, seguraria a lança na mão erguida e uma pátera na mão estendida, para fazer uma libação sobre uma ara acesa 
Sobre o peito enverga a égide de pele de cabra, recordando a cabra Amaltéia que, segundo a lenda amamentou Zeus, presa por duas correias, e ao centro tem a Cabeça de Medusa, que, segundo a Mitologia, lhe foi oferecida.



Atena/Minerva é filha de Júpiter e de Métis, considerada a reflexão personificada, primeira esposa do pai dos deuses. 

Quando estava grávida, Métis anunciou a Júpiter que teria em primeiro lugar uma filha e, de seguida, um filho que se tornaria senhor do céu. 
O rei dos deuses, assustado com tal profecia, engoliu Métis. 
Passado algum tempo, foi acometido de fortíssima dor de cabeça, tendo pedido a Hefesto/Vulcano que lhe rachasse a cabeça com o machado de onde nasceu Atenas, já adulta e armada com capacete e lança para ajudar os deuses na guerra contra os Titãs.

Deusa da Sabedoria e da Razão, «Minerva, da oliveira a inventora», como a menciona Virgíllio nas suas Geórgicas é também a deusa das artes da guerra, motivo pelo que se faz representar com uma lança.
Será ela também a nova encarnação da sabedoria divina. Contudo não escapa à sua natureza caprichosa, mesmo violenta, quer com Medusa, quer com a pobre Aracne.

Tecedeira como nenhuma, Atena, cuja homóloga romana é Minerva, aceitou competir com a sua rival na arte de trabalhar a lã, Aracne que «não era famosa pela terra nativa nem pela origem da família, mas sim pela arte» e que «Quantas vezes para contemplar os seus admiráveis lavores não abandonaram as ninfas os arvoredos do seu Timolo, não abandonaram as suas águas as ninfas do Pactolo. E não era só um prazer contemplar as vestes por ela tecidas, mas também vê-la trabalhar (tal encanto presidia à sua arte!) » como nos relata Ovídio, Metamorfoses, Livro VI). 

Foi-lhe duro o destino e Palas condenou-a, após uma tentativa de suicídio, a viver sempre pendurada.«Quantas vezes para contemplar os seus admiráveis lavores não abandonaram as ninfas os arvoredos do seu Timolo, não abandonaram as suas águas as ninfas do Pactolo. E não era só um prazer contemplaras vestes por ela tecidas, mas também vê-la trabalhar (tal encanto presidia à sua arte!) » como nos relata Ovídio, Metamorfoses, Livro VI).

Aracne será assim vítima da orgulhosa Atena que não consegue conceber que a sua tapeçaria seja menos bela do que a que ela havia concebido. A pobre Aracne termina por suicidar-se e Atena condoída acaba por transformá-la numa aranha. 

 

Lécythe de figuras negras.
Museu Nacional de Arqueologia

«Ao centro, o rapto de Tétis por Péleas: Tétis, de pé, de veste drapeada, corpo de frente, cabeça para a direita; Péleas precipita-se sobre ela; reconhece-se o seu braço direito que enlaça Tétis. Dum lado e de outro, as irmãs de Tétis, as Nereides, que correm. Do lado esqeuerdo, Nereide, corpo de frente, de veste drapeada, cabeça para a direita; rolo de cabelo alto. Do lado direito, Nereide, três quartos para direita, de veste drapeada, cabeça para a esquerda; rolo de cabelo alto; braço direito dobrado».
Fotografia e comentário citado a partir de Aqui.

Medusa ficou conhecida na Mitologia como por ser um mostro ctónico terrível, do sexo feminino, sendo representada com serpentes no lugar dos cabelos com o poder de petrificar apenas com o olhar.

Contudo Medusa não teria sido sempre assim. Seria uma mulher de corpo perfeito e de belos cabelos dourados. Ela e as duas irmãs eram virgens sacerdotisas de Atena, Deusa da guerra e da justiça. Poseidon, deus do mar, havia desposado Medusa (algumas versões dizem que ela foi violada) no templo de Atena. A Deusa furiosa pelo desrespeito praticado no seu templo castigou Medusa, transformando- a num mostro mortal. Os seus belos e invejados cabelos transformaram-se em serpentes, o seu corpo foi deformado e a pele criou escamas e ficou pegajosa, e os seus os dentes tinham o aspecto deum javali. Perseu, filho de Zeus com a ajuda de Atena, será o herói que decapitará Medusa, matando-a. Em seu auxílio vão Hades e Hermes que presentearam Perseu com um elmo, que o deixava invisível, sandálias aladas, um escudo feito de bronze brilhante, uma espada e ainda um alforje chamado quíbisis para poder carregar a cabeça cheia deserpentes. A sua cabeça será oferecida à justiceira Atena que,doravante, a usará na sua égide.

«Dela, quando Perseu lhe decepou a cabeça, Surgiram o grande Criasor e o cavalo Pégaso»

Hesíodo, Teogonia.

Na Grécia Antiga, duas mulheres, Circe e Medeia, têm poderes mágicos ou sobrenaturais que espelham, de algum modo, a memória de um mundo ancestral e arcaico, onde o Homem era ainda dominado por medos do desconhecido.
Circe é essa maga que viveu na Ilha de Aeaea, que foi visitada pelos Argonautas e por Ulisses, o herói da Guerra de Troia. Era uma feiticeira poderosa, que, «com a ajuda de ervas, murmurando encantamentos, ou a rezar para os seus deuses, poderia transformar os homens em animais ou criar imagens insubstanciais de animais» .Viveria num palácio encantado, cercado por lobos e leões (seres
humanos enfeitiçados).
«Ela foi capaz de escurecer o céu, escondendo a lua ou o sol atrás das nuvens, e destruir seus inimigos com sucos venenosos, chamando em seu auxílio Nyx (Noite), Chaos ou Hecate, deusa das encruzilhadas. Na sua presença e por causa de seus encantos da floresta poderia se mover o estrondo do solo e as árvores ao seu redor se tornam brancos».http://thanasis.com/circe.htm.
A bela Maga Circe, loira porque é filha o deus o Sol - Hélios - e da ninfa Pérsia, ficou assim conhecida pela participação na épica Homero, A Odiseia, e pelo papel que desempenha nas lendas dos Argonautas.
Tinha inúmeros poderes. Foi castigada por eles, e por ter envenendo o seu marido. Emanava uma luz ténue e fúnebre e a ilha onde viveu, "Aeaea", tem o significado de "prantear"
Esta luz, identificava Circe, como a "Deusa da Morte". Por isso também a relação que é feita muitas vezes com rituais de magia ligados à morte e à necromância.
Associada aos voos mortais dos falcões, pois assim como estes, Circe circundava suas vítimas para as enfeitiçar.
A "Circe das Madeixas Trançadas", como a descreveram alguns autores gregos, pois " belas tranças”, é apanágio de heroínas e deusas homéricas (cit in Apolónio de Rodes. Argonáutica, Livros I e II. Estudo Introdutório, Tradução e Notas: Ana Alexandra Alves de Sousa, 2020), podia manipular as forças da criação e destruição através de nós nas tranças dos seus cabelos.

Era também a tecelã dos destinos.
A Maga Circe era considerada a Deusa da Lua Nova, da feitiçaria, dos encantamentos, dos sonhos premonitórios, maldições, vinganças, magia negra, bruxaria, caldeirões, descrita por Ovídio como «filha do Sol brilhante, embora com tal poder pelos esconjuros, tal poder pelas ervas» (Ovídio, Metamorfoses, Livro XIV)


«Amigos, não devem só ou dois apenas conhecer
os oráculos que me revelou Circe, divina entre as deusas.
Mas vou eu dizê-los, para que conheçais, quer morramos,
quer escapemos à morte e evitemos o trespasse.
Ordena-nos primeiro que fujamos da voz doce das Sereias
e do prado florido. A mim só, exortou a escutar a sua voz».

Odisseia, (tradução e notas Maria Helena Rocha Pereira) in Hélade. 2009. Guimarães Editores.

«Ó deusa, de um deus compadece-te, suplico! Só tu podes
dar-me alívio nesta minha paixão, caso eu pareça digno dele.
Ninguém sabe melhor que eu, ó filha do Titã, quão grande
é o poder das plantas, eu que, por meio delas, mudei de forma.
(...)
Mas, se algum poder há nas fórmulas mágicas, uma fórmula
recita nos teus lábios sacros; se forem mais potentes as ervas,
lança mão do poder comprovado de uma planta eficaz».

Ovídio, Metamorfoses, Livro XIV. Livros Cotovia, 2007

Por sua vez  a vingativa Medeia, filha do rei Eates, da Cólquida, tão depressa é referida como sendo sobrinha de Circe, ou sua filha e de Hermes, ou mesmo sua irmã e filha ou sacerdotisa de Hécate 
(3.251-2. Argonáutica)., foi, por algum tempo, casada com Jasão, inscrevendo-se também no Ciclo dos Argonautas, que nos foi transmitido na obra Argonáutica de Apolónio de Rodes. 

Também Medeia é feiticeira, detentora de poderes mágicos.

Na versão de Medeia de Séneca, ela é discípula de Hécate, reflectindo bem o poder da magia, tão em voga em Roma, no século I. Medeia, invoca, no texto as almas do mortos, as divindades infernais , o Caos e a morada de Hades.

Através da utilização de um unguento que Jasão deveria usar no seu corpo e escudo, ele torna-se invulnerável ao fogo e ao ferro, conseguindo assim lavrar o campo e enfrentar os touros que deitavam fogo pelas narinas e agricultar as terras onde semearia os dentes de um dragão.

Ao que nos contam algumas narrativas deste mito, Hera, protectora de Jasão, havia interferido junto de Afrodite para que convencesse Eros a fazer com que Medeia se apaixonasse por Jasão e a colocar-se a seu lado, casando-se ele com ela como reconhecimento desse afecto.





MEDEA e TRIPTOLEMUS 
Munique


Medeia acautela-o de que dos dentes de dragão nasceria uma seara de soldados que o tentariam matar, encontrando uma solução que ajudasse a dispersar esses mesmos soldados: lançar uma pedra, de longe, para o meio do exército. Como Jasão conseguiu executar com êxito as tarefas, regressou para reclamar o velo de ouro a Eetes.



Não posso deixar de citar a «Medeia» de Eurípides, nas palavras da Aia:
«A infortunada, a ultrajada Medeia declara em altos brados os juramentos, apela para a união das mãos, o mais forte dos penhores; toma os deuses como testemunhas do reconhecimento que recebe de Jasão. Deprimida, sem se alimentar, abandona o corpo às suas dores; consome dias inteiros em pranto desde que conheceu a perfídia do marido; já não alça a vista nem desprende do chão o olhar; parece uma rocha ou uma onda do mar, quando ouve a consolação dos amigos. Todavia, às vezes desvia a cara deslumbrante de alvura e, sozinha, chora o pai amado, a pátria, o palácio que renegou e deixou para seguir o homem que a mantém hoje desprezada.
Sabe, essa infeliz, para seu próprio infortúnio, o que se ganha em renunciar ao solo natal.
(…)
Receio que intente qualquer vingança inesperada. É uma alma violenta, não suporta as afrontas».
Medeia, Eurípides. Editorial Inquérito.





Painel do Mosaico das Musas, Villa Romana de Torre de Palma, MNA)

Fotografia: Foto DDF/DGPC
http://www.matriznet.dgpc.pt/MatrizNet/Objectos/ObjectosConsultar.aspx?IdReg=118547&EntSep=5#gotoPosition

«Que desça a serpente que deitada se assemelha a um rio caudaloso, cujos anéis sentem as duas feras (...) Respondendo ao meu chamamento, possa vir ao meu encontro a Píton, que ousou atacar os deuses gémeos; que possa voltar a Hidra e todas as serpentes pela mão de Hércules, mas que cresciam de novo à medida em que iam sendo mortas. Abandonando os Colcos, acode também tu, serpente sempre vigilante, cujo primeiro sono se deveu aos meus encantamentos».

«Depois que evocou toda a espécie de serpentes, ela acrescenta-lhes os venenos das ervas funestas; todas aquelas que a inacessível Érice gera nos seus rochedos

(...) todas as plantas que crescem com flores mortíferas ou todos os sucos funestos gerados nas raízes sinuosas e que podem servir de injúria, tudo isto ela segura com a mão»
 Medeia, Séneca, Tradução, Introdução e notas: Ricardo Duarte. Edições Sá da Costa, 2010. Acto Quarto.

Hécate, a mãe de Circe, tem múltiplas representações na Antiguidade, a deusa da magia e dos caminhos, das encruzilhadas e da noite, dos espectros e dos fantasmas, da juventude, da lua, do Céu, da Terra, do Mar e do Mundo Inferior, também protectora das crianças e  curandeira de jovens e mulheres. Embora Hécate não seja uma deusa originariamente grega e a sua origem exacta não seja conhecida, sendo-lhe atribuída  à Ásia Menor, acaba por ser considerada uma das grandes deusas (junto a Deméter e Perséfone) que preside os Mistérios de Elêusis. Assume, de alguma forma, o papel que Cibele desempenhava na Frígia, como protectora da cidade.  (JOHNSTON, 1999, p. 206)
É uma Divindade tríplice, ou seja, possui três aspectos: anciã; deusa mãe e ao mesmo tempo virgem. É frequenemente representada com três cabeças, ou três corpos.
A sua tríplice divindade manifesta-se através do domínio do céu, do mar e da terra (e também do infra-mundo).

Uma das importantes referências sobre a divindade deve-se a Hesíodo na sua Teogonia, sendo retomado séculos mais tarde nas Metamorfoses de Ovídio (Metamorfoses, Livro VI, 140, Livros Cotovia, 2007).

Mas também Séneca, na sua Medeia nos remete aos poderes de «Hécate triforme, que ofereces um fulgor cúmplice aos mistérios silenciosos» Medeia, Séneca, Tradução, Introdução e notas: Ricardo Duarte. Edições Sá da Costa, 2010.

As narrativas mitológicas as Mulheres (como nos homens aliás) são, portanto, na Antiguidade Clássica, veículos de interpretação de um universo que se pretende descritível, “explicável” e, deste modo, enquadrados numa “religião racional”.

Entre os Titãs, ou “deuses primitivos” encontra-se Mnemosine, que significa “Memória”. Mnemosine era filha de Geia (que personifica a terra em formação, gerada do nada, mãe e esposa de Urano, com o qual constitui o primeiro casal divino) e mãe das nove Musas a que nos dedicaremos noutro local. Aqui




«São estas aquelas que nos leitos de homens mortais,
sendo elas imortais, geram filhos semelhantes aos deuses.
(E, agora cantai, também a raça das mulheres, ó Musas
Olímpicas de voz doce, filhas de Zeus detentor da egide...)

Hesíodo, Teogonia, Imprensa Nacional-Casa da Moeda S.A, 2014





Três musas baixo-relevo de Mantineia atribuído ao escultor de Praxíteles, século IV a. C.
Museu Arqueológico Nacional de Atenas
Fotografia; Marsyas (2006), a partir de: https://pt.wikipedia.org/wiki/Musa…



No entanto, podemos relembrar tantas outras que desempenharam um papel crucial na mitologia e na própria literatura, A tradição clássica consagrou para a posteridade uma extensa galeria de figuras femininas. «Notáveis pela auréola mítica (…),essas mulheres tiveram seus nomes transformados em símbolos, em estereótipos dos quais a arte, nas suas diversas formas de expressão, em todos os tempos posteriores, apropriou-se, tornando-os património comum da humanidade», referindo, a título de exemplo, Afrodite, Andrómaca, esposa de Heitor, Andrómeda, Antígona, Ariadne, Ártemis, Atenas, Aurora; as Bacantes; as Camenas, Calíope, Calipso, Cibele, Cíntia, Circe, Clio, Dafne, Deméter, Dido, a épica e trágica personagem que Virgílio imortalizou na Eneida , a amante apaixonada de Eneias que vítima da urdidura de Vénus e Juno, divindades cujo ciúme e vaidade tecem o enredo da sua paixão, Diana; Electra, Eurídice, Europa; Fedra, as Fúrias, Górgona; Harmonia, as Harpias, Helena, Hera; Ifigênia, Io; Jocasta, Juno; Leda, Medeia, Medusa, Melpômene, as Mênades, Minerva, Moira, as Musas; as Nereidas, as Ninfas que habitavam os campos e bosques, levando alegria e felicidade.; as Parcas, Partênope, Pasífae, Penélope, Perséfone, Pirra, Políxena, Prosérpina; Quimera, essa mistura de leão e cabra que soltava fogo pelas ventas.

Citação a partir de REPRESENTAÇÕES DA MULHER NA POESIA LATINA, Aécio Flávio de Carvalho. Aqui .







Representação de Ceres de Emerita Augusta. Museu Nacional de Arte Romano, Mérida. Século I d.C.

 A partir de Wikipédia.jpg





Perséfone, cuja homóloga em Roma é Prosérpina deusa da terra e da agricultura na mitologia foi a única filha de Zeus/Júpiter e de Deméter-Ceres. Acabou por ficar associada ao mundo infernal, onde vigiava o segredo das almas e era conhecedora dos segredos das trevas.  A sua beleza foi encantando todos, tendo seduzido o deus Hades-Plutão, o senhor dos mortos e do submundo, que dela se enamorou. Porém, Deméter-Ceres não queria essa união, mas Hades persistiu, até que, um dia, Perséfone, que estava colhendo narcisos, foi raptada pela divindade que apareceu da terra na sua carruagem e levou a deusa para o mundo dos mortos.

Do mito de Prosérpina, (do latim proserpere, ‘emerger’), uma antiga divindade de origem grega, Perséfone, que assume simolicamente a vida, a morte e a ressurreição, nos fala Claudiano, nos séculos IV-V, em o «Bordado de Prosérpina». Assim nos diz o autor:






Proserpina. Rossetti. 1874



O Bordado de Prosérpina, Claudiano (Séculos IV e V)


«Com maviosos cantos deleitava

estes sítios a terna Prosérpina:

e para a mãe, que em vão saudosa espera,

um presente tecia, primor d’arte.


Co’a destra agulha desenhava, astura

o trono de seu Pai, celeste assento.

Engenhosa na tela figurava

dos Elementos a constante série;

a Natureza o caos arranjado,

e em seu justo lugar as cousas pondo;

fixando onde compete o que é mais leve;

fazendo gravitar o que mais pesa;

encandilando o éter; e obrigando

sobre um ponto a girar o céu c’os astros;

fica fluido o mar; sólida a terra,

suspendida no espaço ilimitado.

Tinge os raios da luz com várias cores

e acende as estrelas num céu d’ouro.

Sobre um leito azulado as ondas brincam;

as preciosas pérolas que alvejam

crescem nas paias, e por arte os fios

se levantam, fingindo crespas ondas.

Parece que nas rochas s’espedaçam

as marítimas plantas, verdes algas;

que se ouve o som das águas, murmurando,

quando serpeiam pela solta areia.

Ali bordou também as cinco Zonas;

e c’um rio de púrpura assinala

o sítio onde o calor mais permanece».


Roma – Claudiano (c. 370 – 404). A partir de Tradução de Marquesa de Alorna.



                                   



Disco de Aquileia, Museu de Viena.



Disco de prata, com ouro. Representa Perséfone e Deméter sustentando uma tocha acesa. 
Legenda e fotografia a partir de Aqui

Na Grécia Antiga, celebravam-se em Elêusis, localidade próxima de Atenas, sendo considerados os de maior importância entre os que se celebravam na Antiguidade, os mistérios de Elêusis (também conhecidos como mistérios eleusinos) que eram ritos de iniciação ao culto das deusas agrícolas Deméter/Ceres e Perséfone/Proserpina.

Neles se reflete o culto da Grande Mãe, trazido do Egito através de Ísis. 

Estes mitos e mistérios de Ísis foram adoptados pelo Império Romano e tiveram uma grande expansão atingindo os pontos mais distantes do império e penetrando profundamente em todas as classes socias, desde o próprio imperador, às elites, como o demonstram a presença de templos privados dedicadas ao culto de Isis nas propriedades aristocráticas, em Pompeia e diversas cidades romanas.
Mas, sabe-se que também era cultuada entre os escravos.


Lembramos que no Santuário de Panóias está atestado o culto a Serápis e Ísis.





Fresco de Herculano, com representação do Templo de Ísis em Pompeios. Um sacerdote e discípulos numa cerimónia religiosa. Século I d. C.
Fotografia a partir de Aqui

O culto mistérico de Ísis, no qual o escritor Apuleio parece ter sido iniciado, alcançou seu esplendor na época dos Imperadores Antoninos e Severos, passando a integrar a ideologia dominante, conhecendo-se, no século II d.C., entre seus adeptos, magistrados, funcionários imperiais e outros representantes do poder público.
Os ritos, realizados à noite, e as crenças eram guardados em segredo, só transmitidos a novos iniciados, ou neófitos.


Ísis assim nos é retratada por Apuleio, no seu «Asno de Ouro»:


"Uma coroa multiforme de diversas flores lhe cingia o alto da cabeça e, no meio dela sobre a fronte, um disco plano, à maneira de espelho (...); dos lados direito e esquerdo, víboras entonadas a cingem com suas roscas, e por cima se estendem também espigas de cereais. Seu vestido era de muitas cores e tecido do mais fino linho (...). Pela orla bordada do manto e por toda a sua superfície cintilavam estrelas dispersas, e no meio delas a Lua dardejava seus chamantes fogos. Também por toda a borda deste insigne manto corria, aplicada com inseparável união, uma grinalda construída de todas as flores e de todos os frutos"
Apuleio - Asno de Ouro, Publicações Europa-América, p..221.



Cópia de Placa votiva dedicada à deusa Ísis com uns pés gravados, proveniente de Baelo Claudia, Tarifa, Cádiz.  Original: Museo de Cádiz. 


Era a deusa da maternidade e da fecundidade e era cultuada como exemplo da mãe e da esposa ideais, protectora da natureza e da magia. Era ainda defensora dos escravos, pescadores, artesãos e dos oprimidos em geral, tanto como lhe eram também devotadas as preces dos opulentos, das donzelas, aristocratas e governantes.

O culto desta divindade egípcia está atestado na Hispânia, no anfiteatro romano de Itálica (Santiponce, Sevilla), em Clunia (Peñalba de Castro), em Baelo Claudia e em Molinete de Cartagena.

Também no Santuário de Panóias se confirma o culto à dupla Serápis e Ísis.


Em Baelo Cladia e Cartagena identificaram-se templos dedicados a Ísis. Em Itálica há também uma placa com os pés de Ísis (no Museu Arqueológico de Sevilha). Em Clunia existe uma estátua da deusa, que actualmente pertence ao Museu de Burgos.


De Mérida pertente um belíssimo exemplar com a representação de Ísis.

Aliás, a expressão «Cultos Mistéricos» refere-se, normalmente, ao culto de Ísis, Mater Magna ou particularmente Mitra e ainda de Dioniso/Baco, bem como ao culto de Elêusis, representantes dos “mistérios” propriamente ditos.


Pressupõe-se que as religiões mistéricas tinham uma espiritualidade mais elevada, transcendendo assim a religião oficial, sendo consideradas religiões de salvação.



Os rituais dos cultos de mistérios acabou por ser tão bem elaborado quanto os ritos dos cultos oficiais. Na sua maioria os cultos mistéricos incluíam danças, músicas, apresentações cénicas e também sacrifícios em honra das divindades.



Apuleio, o autor latino, foi iniciado em vários cultos mistéricos, dando-nos conta dos seus rituais na sua obra «Apologia».


Gema com representação de Ísis segurando "sistrum" (instrumento musical) e "situla".
Fotografia e legenda de Graça Cravinho


Ísis com diadema solar e lunar, proveniente de Mérida,  Museo Arqueológico Nacional, Madrid


Mater Matuta. Fotografia do Museo Nacional de Arte Romano, Mérida.

Também Bona Dea, ("a Boa Deusa") divindade romana da fertilidade dos campos e dos bosques, acreditando os seus devotos que habitava todas as árvores. O seu culto aparece associado ao culto de Baco que também se relaciona com a serpente.
Foi muito venerada pelas matronas romanas, pese a divindade estar associada à virgindade.
Numa das muitas versões da lenda, a deusa aparece como filha de Fauno, motivo pelo que, muitas vezes, é designada de Fauna. O seu pai apaixonou-se por ela, e face à resistência da filha, embriagou-a com vinho, mas nem assim conseguiu violá-la. Então agrediu-a com ramos de murta e, mais tarde, transformou-se em serpente para satisfazer o seu desejo sexual.
Era também era uma deusa da cura e do Bem-estar, sendo retratada sentada num trono, segurando uma cornucópia. A cobra é também seu atributo, um símbolo de cura, tal como acontece com Esculápio. 

Os seus rituais eram secretos, reservados apenas às mulheres e interditos aos homens. Até os animais eram afastados e as estátuas masculinas, como não podiam ser deslocadas, eram cobertas. Os encontros tinham lugar na casa de uma matrona rica com a presença de vestais, sacerdotisas, que conduziam a cerimónia.

Recordemos ainda a divinização de Mater Matuta, com as suas festividades Matralia, essa deusa do amanhecer, dos recém-nascidos, do mar e dos portos, que equivalia à grega Eos. «Tuvo un templo construido por Servio Tulio situado al norte del foro Boario (mercado de ganados) donde se la honraba en su día. Este templo se destruyó en el 506 a.C. y lo reconstruyó Furio Marco Camilo Dicha en el 396 a.C. La celebración era exclusiva para mujeres».

Mas não esqueçamos a romana Fortuna, acompanhando todos os momentos da vida humana. Ela distribui os bens e males, de acordo com a sua vontade, sendo representada ou referida como calva, tendo duas asas nos pés e com uma roda. Por vezes, é-lhe associado um Sol ou um Crescente, pois como eles, ela preside à vida na terra.
Faz parte das divindades protectoras quer do indivíduo, quer da vida pública, algumas das quais permaneceram na nossa memória, através de palavras que nos são conhecidas.
A cornucópia ou corno da abundância é um dos seus atributos.






Estatueta de Fortuna em bronze.
Século I d.C. Lameirancha. MNA

Lembro ainda que, em Roma, a expressão “religiões de mistérios” se refere, normalmente, ao culto de Ísis, Mater Magna ou particularmente Mitra, de Dioniso Baco, e, igualmente, ao culto de Elêusis, representante dos mistérios propriamente ditos, os mistérios de Elêusis, ritos de iniciação ao culto das deusas agrícolas Deméter e Perséfone/Proserpina e que se realizavam na cidade grega, nas proximidades de Atenas, considerados os de maior importância entre todos os que se celebravam na Antiguidade.

Estes mistérios foram adoptados pelo Império Romano, os ritos eram guardados em segredo, só transmitidos aos novos iniciados.

Deméter e sua filha, Perséfone, (Ceres e Proserpina entre os Romanos) presidiam aos pequenos e aos grandes mistérios.



"E que ninguém ponha a foice junto das espigas maduras
antes de confirmar as têmporas com retorcido com
e, dançando livremente, entorno cânticos a Ceres".

Vergílio. Geórgicas
Livros Cotovia. 2019 .Tr.e notas Gabriel A. F. Silva)


« Que varão ou herói escolhes tu celebrar,
Clio, com lira ou aguda tíbia?
Que deus? De quem o nome que o jocoso eco
ressoar fará
nas umbrosas encostas do Hélicon,
ou no topo do Pindo, ou sobre o gélido Hemo,
de onde temerárias as árvores seguiram
o canoro Orfeu,
ele que, com a arte materna, fez cessar dos rios
as céleres correntes e os ventos velozes,
com a melodiosa lira sedutoramente conduzindo
os atentos carvalhos?
Que cantarei primeiro em costumado louvor do Pai,
ele que dos assuntos dos homens e dos deuses,
ele que o mar, e a terra e o céu com as diversas
estações governa?
Nenhum dos seus filhos foi melhor do que ele,
nem ninguém tem uma força semelhante ou próxima;
vizinhas honras detém, todavia, Palas,
corajosa na batalha.
Nem guardarei silêncio sobre ti, Líbero,
nem sobre a Virgem das feras inimiga,
nem sobre ti, Febo, tu temível
com tuas certeiras flechas»
Horácio, Odes, Livros Cotovia, 2018. Tradução Pedro Braga Falcão

Os mistérios elêusinos celebravam o regresso de Perséfone, visto que era também o regresso das plantas e da vida à terra, depois do Inverno, e as sementes que a deusa trazia significavam o renascimento de toda a vida vegetal na primavera.

Se o povo reverenciava em Deméter a terra-mãe e a deusa da agricultura, os iniciados viam nela a luz celeste, mãe das almas e a Inteligência Divina, mãe dos deuses cosmogónicos. Os sacerdotes de Elêusis ensinaram sempre a grande doutrina esotérica que lhes veio do Egipto.

Ao que diz a lenda, o ritual dos Mistérios de Elêusis reporta ao facto de a deusa Perséfone, filha de Deméter, ter raptada por Hades (Plutão), rei do Mundo Inferior, quando colhia flores com suas amigas, as Oceânidas.

Deméter, ao tomar conhecimento do rapto, ficou tão amargurada que deixou de cuidar das plantações dos homens aos quais havia ensinado a agricultura, originando a fome. Os homens morriam assim esfomeados, até que Zeus (Júpiter), que havia permitido que o seu irmão Hades, o deus dos mortos e das profundezas, raptasse Perséfone fazendo-a sua esposa e vivendo com ela nas entranhas da Terra, resolveu reparar o mal cometido.

Decidiu, então, que Perséfone deveria voltar à superfície da Terra durante seis meses para visitar a sua mãe e outros seis meses passaria com Hades, originando o ciclo das colheitas e da Natureza. (cit. Filomena Barata, Religiões Mistéricas) Aqui 






Relevo do Século V a.C. Museu Arqueológico de Atenas.

No relevo acima, podemos ver à esquerda Deméter, ao centro Triptólemo, filho de Celeus, rei de Elêusis, e à direita Perséfone que segura, muito possivelmente, com a mão esquerda uma tocha longa, típica dos mistérios de Elêusis celebrados à noite, para comemorar a noite retorno da filha de Deméter.  
Legenda e Fotografia a partir de Aqui



Não resisto pois a citar: «O mundo mediterrâneo cultuou muitas imagens da Grande Deusa Mãe. Seu nome varia conforme sua nacionalidade, todavia, ela é a mesma Mãe Bondosa: como a egípcia Ísis, a cretense Gaia, a micênica Rea, a eleusina Deméter, a ateniense Hera, a cipriota Afrodite, a frígia Cibele, a efésia Ártemis, a síria Dea, a persa Anaitis, a babilônia Isthar, a fenícia Astarte, a Cananéia Atargatis, a capadócia Mâ e as trácias Bendis e Cottyto; e Mãe Terrível, como as germânicas Nornas, s gregas Moiras, as romanas Parcas, a hebraica Lilith, de quem derivou variadas personificações dos horrores femininos, como Górgonas, Fúrias ou Erínias, Keres, Sereias, Harpias, Lâmia, Êmpusa, Circe, Cila, Caríbdis e Sin, dentre outras. Todas estas faces da Deusa são formas de manifestação de uma pluralidade de figuras malévolas da Grande Mãe difundidas pela humanidade ao longo dos tempos através dos rituais religiosos, dos mitos e da literatura. Tais imagens simbolizam o poder primordial do Grande Feminino em seu papel de gerar, proteger e devorar, funções representativas das formas e dos fenômenos da Natureza: montanhas, labirintos, florestas, abismos, rios, mares, oceanos, fontes, lua, etc., que conectadas a figuras de animais, representam a grande diversidade simbólica do corpo da Deusa».(…) A mais elevada sabedoria feminina é transmitida pelo mito da Deusa tríplice Deméter/Perséfone/Hécate. Deméter, nome grego, Delta, significa Deusa Mãe com tripla face: a jovem, a mãe, a velha. Seus nomes adquirem o significado dos seus papéis arquetípicos de mãe bondosa e terrível: Deméter, a que conhece a imortalidade, capaz de dar a juventude eterna; Hécate, a que vê no escuro; Perséfone, a que conhece o segredo da morte; Tiamat, o oceano gerador; Maat, a pena branca da verdade; Medusa, a que tem um olhar petrificante; Fata Morgana, a que leva os homens ao seu destino; Sofia, a que tem a sabedoria superior; Brigit, a responsável pelo ciclo das estações; Kali, a que destrói os homens para dar forma à criação; Syrian Mari, aquela capaz de examinar a alma; Sibila, a vidente capaz de ver o futuro.
O mito das Deusas se resume na trajetória da mãe que perdeu a filha e a busca sem trégua. Deméter, filha de Cronos e Rea, deusa grega da terra cultivada, especialmente do trigo teve uma filha com seu irmão Zeus, Coré. Ainda adolescente, Coré saiu pelos campos a colher flores. A terra abriu-se para Hades, o deus do Inferno, irmão de Zeus, e, por conseguinte, tio da jovem deusa, que a raptou. Coré gritou, a mãe ouviu e veio socorrê-la, só que chegou muito tarde. Hécate, que tudo via, contou à mãe aflita o que havia ocorrido. A partir de então, Deméter passou a percorrer o mundo à procura da filha, sem comer, beber ou repousar, abstendo-se de fazer germinarem as sementes semeadas na terra até que sua filha aparecesse».Cit. in. «As Faces e o significado arquetípico da deusa na vida e na arte»

Maria Goretti Ribeiro, Universidade Estadual da Paraíba

Aqui


E, claro está, não podemos deixar no esquecimento Tellus, a Geia grega, aqui representada com os seus quatro filhos, provavelmente as Estações, acompanhada por Aeon-Cronos com o Zoodíaco, é  era a deusa da Terra, o solo fértil

Não esqueçamos ainda as divindades da Natureza e à Floresta, a exemplo de Flora. Mas também que, em Roma existia o festival Opalia ou Opiconsiva, no dia 25 de Agosto, em honra da deusa Ops, uma divindade ligada aos recursos agrícolas, à riqueza e à abundância. Marcava o fim do período das colheitas.


Esposa de Fauno, deus dos bosques e planícies que protege os rebanhos e culturas, cujos oráculos se conhecem através dos murmúrios das árvores, Fauna é  protectora das mulheres contra a esterilidade, é considerada pelos Romanos como a mãe do deus Latino, um dos reis lendários do Lácio, divinizado como Jupiter Latiaris. Nos lugares onde se faziam os oráculos de Fauno, os ritos observados foram minuciosamente descritos por Vergílio: um sacerdote oferecia uma ovelha e outros sacrifícios e a pessoa que consultava o oráculo tinha que dormir uma noite sobre a pele da vítima, dando então o deus uma resposta através de um sonho ou mediante vozes sobrenaturais. Ovídio descreve ritos parecidos celebrados sobre o Aventino.




Na imagem: Flora. Divindade itálica.
Flora ou a Primavera.
Fresco, I sec.d.C.
Castellammare di Stabia (Stabiae)
Museo Archeologico Nazionale, Napoles



Ou as que se relacionam com o Mundo Cósmico, a exemplo de
Phoebe ou Silene, a deusa da Lua.


De Vénus, há tantas histórias em torno da sua origem, bem como da sua vida amorosa e descendentes.

De Afrodite nos narra  Hesíodo que foi nascida da espuma do orgão imortal do Céu, cortado pela foice de Cronos:

«Os testículos, por sua vez, assim que cortados pelo aço
e lançados desde terra firme ao mar de muitas vagas,
forem levados pelo mar, por longo tempo; à sua volta, um branca
espuma se libertou do orgão imortal e dela surgiu uma
rapariga. Primeiro, foi em Citérios
que ela nadou, e de lá em seguida chegou a Chipre rodeada de mar;
aí aportou a bela e celebrada deusa que, à sua volta,
sob os seus pés ligeiros, fazia florescer o solo, Afrodite
(a deusa nascida da espuma e Citereia de belo toucado)
é esse o nome que lhe deram os deuses e homens, porque na espuma
surgira, e ainda Citereia, por ter aportado junto dos Citérios,
e Ciprogeneia, por ter nascido em Chipre rodeada de ondas,
e ainda Filomedeia, porque surgida dos testículos,
Seguiu-a, sem demora, Eros e acompanhou-a o belo Desejo,
mal ela nasceu e se uniu à família dos deuses.
E, desde o início, teve como competências e foi
seu destino, entre os homens e os deuses imortais,
as intimidades das meninas, os sorrisos, os enganos,
o prazer doce, o amor, a meiguice».


Hesíodo, Teogonia, 2014, Imprensa Nacional - Casa da Moeda


«A primeira Vénus nasceu do Céu e de Dia, e vemos um templo em sua honra na Élida. A outra nasceu da espuma do mar, e da sua união com Mercúrio nasceu Cupido, segundo contam. A terceira nasceu de Júpiter e de Dione e casou com Vulcano; apesar disso diz-se que da sua união com Marte nasceu Anterote. A quarta nasceu de Síria e de Ciro, e chama-se Astarte, e diz-se que casou com Adónis»
Cícero, «Da Natureza dos Deuses». Int. Trd. e Notas: Pedro Braga Falcão, 2004. Nova Vega.


Vénus mirando-se ao espelho. Mosaico proveniente de Thuburbo Majus, Tunísia.Século III d. C. Musée National Du Bardo (Archaeological Museum)

Conta-nos Seutónio, que o Divino César, anunciando a sua própria divinização, em discurso fúnebre de Júlia, sua tia, efectuado na tribuna do forum, elogiou a própria ascendência e do seu  pai da seguinte forma: «Por sua linha materna, a minha tia descende de reis; pela linha do seu pai remonta aos deuses imortais. Pois de Aneo Marcio, que que procedem os reis Marcios, é a linhagem de sua mãe; é de Vénus que descendem os Julios, que constituem a nossa família». (Suetónio, Vida de los Doce Césares, “El Divino César”, Colección “Libros de Bolsillo Z”, 1985, Barcelona.

Os Júlios entroncavam assim a ancestralidade da gens Julia em Venus Genetrix que Júlio César terá assimilado a Venus Vitrix que, segundo Dion Cassius, era o tema do seu sinete. 


Defende-se que Vénus, essa deusa do amor e da beleza, que na mitologia romana substitui a Grega Afrodite tem como seu símbolo ♀ (um círculo com uma pequena cruz equilateral) que parece ser a representação gráfica ou símbolo abstracto do espelho de Vénus. Este símbolo que representa a feminilidade, foi adoptado para definir o género feminino. 



Escultura feminina representando uma musa, possivelmente da dança, Século III.
 Museo Nacional de Arte Romano. Mérida. Fotografia de José Manuel Ribeiro

Não nos prenderemos às Musas, cujas histórias não caberiam neste artigo, mas lembro apenas Mnemosine, deusa de memória, filha de Géia e Urano. Da união de Mnemosine com Zeus foram geradas as nove filhas, as Musas.

Conta a lenda que Hesíodo pastoreava os seus rebanhos no Hélicon quando as Musas se lhe dirigiram afirmando que sabiam mentir e revelar a verdade. Deram-lhe um ramo de loureiro e iniciaram-no, deste modo, como poeta. E foi deste modo que ele contou as origens ancestrais dos deuses.

As Musas que moravam afastadas das outras divindades, viviam com as Graças e com Hímero, o duplo de Ero, e entoavam pelos caminhos do Olimpo um canto imortal e tinham também um local de dança no cume do Hélicon e do altar de Zeus.
Sempre que percorriam os caminhos em direcção ao Olimpo iam envoltas em nuvens, podendo assim ainda melhor soar as suas vozes.





EUTERPE – MUSA DA POESIA (1670-1675). Painel de azulejos (130 cm x 91 cm) de autor desconhecido, fabrico de Lisboa. Museu Nacional do Azulejo, Lisboa.

«Comecemos por cantar as Musas Helicónias,
as senhoras da grande e divina montanha do Hélicon
e que dançam, com passos suaves, à volta da fonte
de águas violáceas e do altar do todo-poderoso Crónida.
Lavada a pele dedicada nas águas de Permesso,
ou de Hipocrene ou de Olmeio divino,
no pico mais alto do Hélicon, formam coros
belos e radiosos, flutuando sobre os seus pés.
De lá descem, escondidas sob uma bruma espessa,
E, caminhando na noite, cantam com a sua voz melodiosa,
entoando hinos a Zeus detentor da égide e à augusta Hera
argiva, calçada com sandálias de ouro,
e à filha de Zeus detentor da égide, Atena de olhos garços,
e a Febo Apolo e a Ártemis que lança os dardos
e, ainda a Poséidon, senhor do solo, que abala a terra,
e a Témis venerável e a Afrodite de olhos vivos
(…)
Hesíoso, Trabalhos e Dias (tradução Ana Elias Pinheiro e
José Ribeiro Ferreira) Imprensa Nacional  - Casa da Moeda, 2014

"Sejam as Musas as inspiradoras do meu canto".
Argonáutica, 2020 v: 22
.
«O mnémon, etmologicamente, significa “aquele que lembra” é a memória da Diké (justiça), ou seja, é o responsável pela preservação da lembrança de uma decisão judicial do passado (Le Goff, 1992, p. 20).

«Entretanto, o papel do mnémon não se restringe ao aspecto judicial, ele poderia ter também uma função religiosa, técnica, política-religiosa ou ainda organizar o calendário»

(…)

Na lenda, o mnémon é apresentado como um servidor de heróis, que tem como função rememorar constantemente uma senha divina ao seu senhor, esta deve ser relembrada ao seu mestre de memória, e o seu esquecimento causava a morte»

(Vernant, 1999). Cit. in: Keila Maria de Faria, Medéia e Mélissa: Representações do Feminino no Imaginário Ateniense do Século V a.C.
http://pos-historia.historia.ufg.br/uploads/113/original_faria_keilaMariade.pdf

Poderíamos recordar também as Camenas, 
Camenae, divindades itálicas, originalmente deusas da primavera e das fontes, ou ninfas das águas de Vénus e do Lácio. Eram sábias e profetizavam o futuro.


Mais tarde, foram identificadas com as musas gregas, como também Ovídio se lhes refere.


«Com o espírito instruído (…)

Diz-se que Numa retornou à pátria, e, tendo-lhe  sido pedido,
aceitou, ainda para mais, tomar as rédeas do povo do Lácio.
Ditoso pela esposa, uma ninfa, e pelas Camenas a guiá-lo.
Foi ele quem ensinou os ritos dos sacrifícios e que converteu
um povo habituado à feroz guerra às artes do tempo de paz».
Ovídio, Metamorfoses, Livro XV 479-484

Mas sobre as Musas, tal como das restantes divindades, existem múltiplas histórias. Assim se refere Cícero:

«Quanto às Musas, as primeiras são quatro, filhas do segundo Júpiter e são Telxínoe, Aede, Arque e Mélete; as segundas são nove, filhas do terceiro júpiter e de Mnemósine; as terceiras são as filhas de Píero e Antíope, que os poetas costumam chamar piérides ou Piérias, e têm os mesmos nomes e o mesmo número das que foram atrás citadas»


Cícero, Da Natureza dos Deuses. Int. Trd. e Notas: Pedro Braga Falcão, 2004. Nova Vega.



Lembremos ainda as Sirenas, «Sirenas Hijas del dios Aqueloo y de una musa, eran mitad ave, mitad mujer. Tenían una maravillosa voz con la que compitieron contra las musas. Estas últimas ganaron y les arrancaron las plumas. Las sirenas avergonzadas, se retiraron a las costas sicilianas. Con su canto atraían a los marineros, quienes, sin poder sustraerse a su canto, se estrellaban contra las rocas (Od. XII 36-54; 181-200). Cit: El Arte de las Musas: La Música Griega, desde la Antiguedad hasta hoy, Amor López Jimeno. VI JORNADAS DE HUMANIDADES CLÁSICAS HOMENAJE A MARIANO FERNÁNDEZ-DAZA Y FERNÁNDEZ DE, CÓRDOVA 10-11, 17-18 de febrero de 2006.


«Primeiro chegarás às sereias, que fascinam todos os homens
que junto delas abordarem.
Seja quem for que se aproxime incauto e escute
a voz da Sereias, a esse nem a mulher nem os filhos inocentes
hão-de acolhê-lo e alegrar-se com o seu regresso a casa.
Com o seu canto melodioso, as Sereias que estão no prado
hão-de fasciná-lo; em volta, um montão de ossos
de homens putrefactos, com a pele a engelhar-se.
Mas tu passa adiante! Amassa cera doce como o mel,
tapa com ela os ouvidos dos companheiros, não vá alguém mais
escutá-las. Tu, porém, se queres poder ouvi-las,
que eles te atem de pés e mãos na nau veloz,
bem direito, no cavalete do mastro. A ele ficarás amarrado
por cordas, a fim de escutares com deleite a voz das sereias»
Odisseia, (tradução e notas Maria Helena Rocha Pereira) in Hélade. 2009. Guimarães Editores


Monumento funerário em mármore. 370 a. C.
National Archaeological Museum, Athens.
Fotografia: Mark Cartwright Aqui




Mosaico de Ulisses
268 d.C. - 330 d.C

Santa Vitória do Ameixial.

Fotografia aqui


E ainda podemos referir-nos a Artemisa/Diana, filha de Zeus/Júpiter e Latona, irmã  gémea de Apolo, e do seu importante papel de protectora da Natureza, dos bosques e da vida animal. Ela foi a deusa da çaça, mais também protectora das donzelas, da maternidade e da saúde das mulheres. Era representada geralmente como uma caçadora levando um arco e flechas. O cervo e o cipreste estavam-lhe consagrados.
Em Agosto honrava-se Diana.
A infatigável Diana, deusa da lua e da caça, era ciosa da sua castidade, ao ponto de transformar num cervo o caçador Acteão, apenas porque a viu nua durante o banho. Era acompanhada por um séquito de sessenta oceânidas e vinte ninfas que, como ela, renegaram a sexualidade.

Cedo foi associada a Ártemis ou Artemisa, a deusa virgem da mitologia grega, também protectora da vida selvagem e da caça, que os tempos quiseram associar à lua e à magia, bem como aos animais selvagens e às parturientes. 

No MNA existem várias lucernas, numismas e inscrições onde a divindade se faz representar.





Ara votiva consagrada a Diana

«Na face posterior o capitel possui ainda o respectivo frontão, decorado com uma rosácea encimada por duas volutas; no topo, ao centro, abre-se uma cavidade quadrangular, possível adaptação 'moderna' do fóculo original. Na face lateral esquerda, em campo rectangular delimitado por sulcos, figura uma aljava em relevo; na face lateral direita, igualmente delimitada, foi representado um arco de caça, também em relevo. Estes símbolos iconográficos remetem para os atributos comummente ligados a DIANA. O campo epigráfico é moldurado e ocupa o fuste; apresenta uma cuidadosa paginação do texto, com alinhamento à esquerda».

D(ianae) S(ilvestri) / (vel D(eo) S(ilvano)

FONTEIVS / PHILOMV/SVS EX VO/TV 

ANIMO / LIBENS / POSVIT // 

"A Diana (ou ao deus Silvano) Fonteius Philomusus colocou de boa vontade, poe voto (este monumento)

Poderá consultar:

http://www.matriznet.dgpc.pt/…/Obje…/ObjectosConsultar.aspx…

Proveniência: São Clemente, Loulé



Proveniente das Ruínas de Troia é esta lucerna, datável dos séculos I d.C. - II d.C, com decoração moldada no disco, representando Diana com arco apontado, ladeada por um cão e dois veados.
A orla é decorada com cachos de uvas.
Esta lucerna está na exposição "Religiões da Lusitania. Loquuntur saxa"

Recordemos ainda Salus, filha do deus da saúde Esculápio, ou também Bona Dea, divindade relacionada com fertilidade feminina. Associada também à cura, muitos pacientes eram tratados no seu templo com ervas medicinais. Era venerada com grande fervor quer por plebeus, escravos, libertos e mulheres. Invocavam-na para pedir saúde e libertação da escravatura. As mulheres pediam fertilidade. O seu culto era muito antigo e incluía ritos reservados exclusivamente às mulheres.
A divindade era adorada num templo no Monte Aventino, mas os ritos secretos em sua honra praticam-se num local indicado por um magistrado, na sua própria casa, a 4 de Dezembro. Eram dirigidos pela mulher do magistrado, ajudada pelas virgens vestais, sendo proibida a participação dos homens, nem se permitiam pinturas com figuras masculinas, fossem humanas ou animais.

A habitação deveria ser ornamentada com flores e plantas, excluindo-se a o mirto já que segundo a mitologia Bona Dea havia sido golpeada até à morte por Fauno com um ramo de mirto, por teu ousado beber vinho.

A cerimónia é mal conhecida, mas sabe-se que está relacionada com a Agricultura.

E ainda a Fides, cultuada pelos romanos, que nos faz concluir que os juramentos movidos pela fides não o eram apenas por princípios de ordem ou por um valor, mas também por aspectos divinos.

Para os romanos “fides” é um conceito fundamental que remete a aspectos políticos, sociais e jurídicos e, genericamente, referia-se ao juramento que obrigava ao cumprimento de um dever, um pacto que implicava o seu cumprimento para com um indivíduo, a família, os deuses ou a pátria.


Ou a Virtus, mulher de coragem e valor militar, acompanhante do deus romano da ética e nonra militar, que se apresentava como um jovem guerreiro usando uma lança e uma cornucópia,  que, a par da Gloria; Libertas; Pietas, simbolizando o respeito religioso; a Fides; Dignitas e Maiestas, representando a Grandeza do Povo Romano, se assumem como os grandes valores do Cidadão de Roma. 

Mas não podemos deixar de referir algumas das divindades de origem africana que chegaram, se bem que tardiamente a ter lugar no Capitólio romano, a exemplo de Dea Africa, cujo culto estava associado à Tanit cartaginesa, protetora e Genius de África, logo, implicada em todas as atividades da vida dos antigos africanos. «Ela foi associada ao princípio feminino, que presidia a fecundidade da terra, o que se evidencia através de um de seus atributos: a cornucópia. 

No final do século II, Tertuliano, em Apologética XXIV, 7, citou Africae Caelestis como uma divindade da região norte-africana. Esta grande divindade feminina tornou-se a patrona da África e, notadamente, de Cartago, uma das principais cidades norte-africanas e do Mediterrâneo Ocidental. O célebre templo à deusa e seu oráculo persistiram em Cartago até 421. A deusa foi protegida e inclusive privilegiada pelos romanos em Cartago, segundo a Regra XXII, 6 de Ulpiano: “deos heredes instituere non posumus praetere … Caelestem Salinensem Carthagini”. No século III, a imperatriz Júlia Domna, esposa do Septímio Severo, imperador de origem norte-africana, foi identificada com a divindade africana numa inscrição de Magontiacum (CIL XIII, 6171) e representada como tal (sobre esta imperatriz, ver GONÇALVES, 2002: 160-190). Em 221, o então imperador Heliogábalo, também pertencente à domus severiana, deu-lhe um lugar em Roma junto com Sol Inuictus (Herodiano V, 6, 4), o que, segundo o autor, foi aparentemente uma boa ocasião para transladar o tesouro cartaginês da deusa. Seu templo no Capitólio romano manteve-se pelo menos até 259 (ILS 4438). Entretanto, em certas passagens da documentação textual literária, o culto a Dea Africa aparece em algumas ocasiões como hostil ao governo de Roma. Na História Augusta (Vida de Pertinace IV, 1-2), há uma passagem que faz referência a rebeliões sufocadas na África por Pertinace em fins do século II, que foram inspiradas pelas profecias emanadas do templo da deusa», embora haja controvérsias quanto a esta passagem, pois, ao que é sabido, há uma corrupção do texto.

(fotografia e citação: Dea Africa: construção de identidade/alteridade na África Romana,http://www.angelfire.com/planet/anpuhes/regina4.htm)






Detalhe de África e as Quatro Estações. Fotografia a partir de: Ancien Rome.


Legenda e fotografia a partir de: «Dea Africa: construção de identidade/alteridade na África Romana».


O mosaico é constituído por um «medalhão central quadrilátero: envolvido numa moldura octogonal curva florida um busto feminino; a mulher tem pele morena com cabelo frisado com cachos até a base de seus ombros, veste uma túnica sem mangas com nós nos ombros e cobre a cabeça com uma cabeça de elefante.

.quatro medalhões angulares circulares: cada um contendo um busto feminino diferente: uma mulher de pele clara com cabeça velada com ramos de oliveira; outra, coroada com flores; outra, coroada com espigas de trigo e outra, com ramos de parreira.

· quatro fusos laterais: cada um contendo um pássaro bicando: uma uva, uma flor, uma espiga de trigo e azeitonas.



E haverá ainda que recordar a importância do Mito da Europa, que segundo a mitologia grega, foi raptada por Zeus que se transformou em touro para seduzir a princesa, quando esta se banhava na praia. A princesa Europa terá nascido no mediterrâneo e era flha de Agenor, o rei fenício de Sídon, trazendo do Oriente para o Ocidente tudo o que lá aprendera.

O estatuto de Eva é, bem mais ambíguo, pois a sua personagem tendo contornos bem definidos na narrativa bíblica, como acima referimos, foi esbatendo o seu valor fortemente simbólico. Nascida (como, aliás, algumas divindades da mitologia greco-romana) do corpo de um homem que, apesar de ter podido presenciar o divino antes do “Pecado Original”, não o é, Eva é apenas a “Mulher”. Aparecendo num primeiro momento como agente a par do Homem pois «Deus criou o ser humano à sua imagem, criou-o à imagem de Deus; Ele os criou Homem e Mulher», é, contudo, ela que provoca com a sua curiosidade a tentação e o “Pecado Original” , simbolizando ao mesmo tempo a sabedoria e a vida, através dos seus atributos como a serpente a a Árvore Sagrada, Eva rapidamente é transformada num ser de estatuto secundarizdo e e submisso, cuja função primordial é procriar, sendo que essa função é ela própria um estigma, pois um dos castigos que lhe é infringido é “a dor da gravidez”.

Torna-se também num mero objecto da dominação masculina, pois o anátema que sobre ela caiu foi proferido pela voz divina, que lhe é alheia e superior: “terás desejo ardente de teu esposo, e ele te dominará”.


Lembremos as palavras de Tertuliano:

«Ó mulher, nas dores e ansiedades dás à luz, vives girando em volta do teu marido, és dominada por ele, e não sabes que, afinal, Eva és tu mesma? Ainda vive em nossos tempos a sentença de Deus a respeito do teu sexo: necessário é que vivas na condição de culpada. És a porta do diabo, aquela que tocou a árvore proibida. És quem primeiro fugiu à lei divina, quem persuadiu aquele que o diabo não conseguiu agredir. És quem tão facilmente despedaçou a imagem de Deus que o homem era. Por teu merecimento - a morte - o próprio Filho de Deus teve de morrer»
Tertuliano (c. 160 — c. 220). «A Moda Feminina/Os Espectáculos», Verbo. 1974, p: 38. (Trad. Fernando Merlo e João Maia)


Mulher meditando. Stabia

ver 


Ao contrário, na mitologia greco-romana as divindades femininas são bem mais afirmativas, agentes ou adjuvantes em todo o enredo das(es)/histórias que se geram em seu torno: Hera, filha dos Titãs Oceano e Tétis, é o centro de uma trama onde o ciúme e a vingança obtida com uma ira implacável chegam a perturbar o próprio “deus dos deuses”.

No entanto, pese embora a sua personalidade, ou por isso mesmo, ela é também a protectora das casadas ou das parturientes, tendo gerado Ilitia, que acabará por zelar por estas últimas.

Atena, a virgem, que não foi gerada por uma mulher, porque brotou da cabeça de Zeus, é também feroz. Protectora da agricultura e das actividades artesanais, esta deusa tudo fará, contudo, para salvar a “Cidade”, mesmo que seja através da guerra. A deusa do Amor e da Beleza, Afrodite, é, por sua vez, capaz de todos seduzir, deuses ou mortais.


Cíbele era considerada a «Mãe dos Deuses», tendo mesmo sido referida pelo poeta trágico grego Sófocles (495 a.C.-406 a.C.) como a «Mãe de Tudo», sendo, muitas vezes, designada como «Mãe os Deuses» ou «Grande Mãe».
Ao que se sabe o culto provém da Anatólia Ocidental e da Frígia, onde designada como "A Senhora do Monte Ida", sendo, em algumas regiões, personificada por Perséfone. Integrou o Panteão Romano em 214 a C. onde passou a ser cultuada oficialmente.
A montanha, a caverna, os ambientes rochosos são os ambientes escolhidos por essa Grande Mãe ou mesmo considerados a encarnação da Divindade. 

Cíbele era normalmente representada como uma mulher madura, coroada de flores, nomeadamente rosas, aliás as flores utilizadas para venerar os mortos, e espigas de cereais, símbolo da vida, trajando uma túnica multicolorida e com um molho de chaves na mão.
Em algumas representações, ela aparece cercada por leões ou segurando nas mãos várias serpentes.
Cíbele era a deusa dos mortos, da fertilidade, da vida selvagem, da agricultura e da Caçada Mística. Nos seus rituais eram usados pratos e tambores. Mas também era associada à Grande Mãe Primordial origem de toda vida, vegetal, animal e humana. 
O culto de Cibele tornou-se tão popular que o senado romano, pese sua política de tolerância religiosa praticada, viu-se forçado a proibir os rituais da deusa-mãe. Tal como as deusas Perséfone e Deméter, Cíbele pertencia à Religião dos Mistérios e os rituais que lhe eram dedicados eram celebradas à noite, uma vez que ela era considerada a Rainha da Noite. Era-lhe reconhecida uma profunda sabedoria que era partilhada apenas com os seguidores dos seus «Mistérios».
Os que se dedicavam ao seu culto eram considerados como que encarnações de seu filho Átis, um deus lunar que usava a lua crescente como uma coroa, que tanto era tido como seu filho, como amante de Cíbele, a deusa da Lua.


Vergílio assim se lhe refere:


«Nesta altura, quando vires o enxame saído da colmeia
flutuando no ar transparente do Verão até junto dos astros do céu
e te maravilhares com a sua nuvem escura arrastada pelo vento,
observa-as bem. Elas procuram sempre águas doces
e protecções frondosas. Aí espalha as essências prescritas:
erva-cidreira triturada e a vulgar erva da borragem, faz
barulhos estridentes e toca à volta os címbalos da Grande Mãe».
Vergílio, Geórgicas. Livro IV. (Int. Tr. e notas: Gabriel A. F. Silva), Livros Cotovia. 2019


Cena junto ao Templo de Cíbele. Fresco de Pompeios (VII. 6. 28).
25—45 CE.
120 × 80 cm.
Inv. No. 8845.

Naples, National Archaeological Museum, Hall LXXI
(Napoli, Museo archeologico nazionale di Napoli, Sala LXXI)


Fotografia a partir de aqui.




Fortuna é a deusa do destino e da sorte (boa ou má) e da esperança. Adquire os atributos da divindade grega Tique, que era a divindade tutelar responsável pela fortuna e prosperidade de uma cidade, do seu destino e sorte — fosse ela boa ou má.                                                                                                                                                                                                      
Temida entre os Romanos, pois dependia, segundo os seus caprichos, a sorte, a riqueza ou a pobreza, o poder ou a servidão, Fortuna faz parte das divindades protetoras do indivíduo da vida pública, ou seja, comanda todos os acontecimentos da vida dos homens, motivo pelo que tem como atributo um leme. 

Nesta estatueta, na mão esquerda, Fortuna segura um dos outros seus símbolos, uma cornucópia dupla com elementos vegetalistas, ou corno da abundância, e, a mão direita, apresenta-se em posição de segurar o leme do Destino.




Estatueta de Fortuna. Século I d.C. Nº Inv. N.º de Inventário: 994.39.1. Museu Nacional de Arqueologia.



Esta estátua tem sido classificada como Fortuna Spes (.................................)

Segundo comentário de Luís Fraga da Silva a esta estátua, «O seu aspecto primordial é o vestuário tipicamente helenístico, nada romanizado. Tratar-se-á assim de uma TYCHE clássica e não de uma FORTUNA/SPES romana ou de uma representação sincrética. Porém, como não tem braços sobreviventes faltam os atributos mais específicos dessa divindade: o timão e a cornucópia.Como se sabe há várias TYCHES: do Estado/Monarca, da cidade, de uma actividade, de uma família ou indivíduo. Com a ausência da cabeça falta também o que seria o atributo específico da TYCHE POLIADA: a coroa torreada. Caso estivesse presente não haveria dúvidas que estaríamos perante a TYCHE de Balsa (romanizável até um certo ponto como DEA TUTELA da cidade).O atributo mais específico é a embarcação sem mastreação nem remos e com a popa desmesuradamente desenvolvida, muito semelhante às que se podem ver em certas moedas de BalsaA posição de dominação extrema, em que a divindade ameaça esmagar com o pé a embarcação a qualquer momento, é reforçada pela representação de equilíbrio dinâmico da postura do corpo.Tratar-se-á assim de uma TYCHE da navegação por si só, ou da TYCHE de Balsa que rege a cidade através do elemento mais fundamental da prosperidade urbana, que se revela assim ser a navegação.A TYCHE é o tipo de divindade que se ajusta particularmente bem às condições de formação, êxito e fracasso de cidades e formações sociais como Balsa, baseada em estatutos sociais e origens modestas, cujo destino depende de factores improváveis e incontroláveis, como o mar, as catástrofes naturais, as oportunidades de negócio e os privilégios e protecções incertos dos poderosos locais e do Imperador».
Fortuna é uma dessas deusas, a do destino e da sorte (boa ou má) e da esperança como acima se referiu. Adquire os atributos da divindade grega Tique.
Temida entre os Romanos, pois dela dependia, segundo os seus caprichos, a riqueza ou a pobreza, o poder ou a servidão, Fortuna comanda todos os acontecimentos da vida dos homens, motivo pelo que tem como atributo um leme.


Fazia-se, assim, representar com uma cornucópia e um timão, simbolizando reciprocamente a distribuição de bens de forma mais equitativa e uma certa orientação do Homem cujos desígnios eram de certa forma aleatórios.

A Fortuna Alada proveniente de Pombalinho e pertence ao acervo do Museu Nacional de Arqueologia é um notável exemplar do século II d.C. e ainda o de Torres Novas.



Trata-se de uma estatueta com representação da divindade na sua versão alada . «A deusa enverga uma longa túnica e ostenta, sobre a cabeça, uma coroa muralhada, atributo de evidente cariz tutelar; trata-se, possivelmente, de uma Fortuna tópica – isto é, ligada à protecção de uma civitas e respectivo ager -, ainda que a peça em análise possua características físicas adequadas a um culto doméstico, de larário».

Fortuna era considerada filha de Juúpiter/Zeus, sendo-lhe dedicado um festival, a 11 de Junho, em sua homenagem, o Fors Fortuna. O O seu culto foi introduzido por Sérvio Túlio, e foi-lhe dedicado um templo na época republicana, Fortuna Virilis, próximo do Capitólio.

Apesar dessa filiação/irmandade entre as divindades mimetizar, de certa forma, a situação bíblica, pois também Eva nasce da costela de Adão e dele se tornar concubina, não haver ter qualquer equivalência no que diz respeito ao protagonimo assumido pelas personagens.

E poderíamos ainda falar das Vitórias, as Aladas que ladeando Atena garantiam a vitória da Cidade nas suas conquistas e por isso era sempre associada aos Jogos Olímpicos.

No Museu da Batalha pode encontrar-se um exemplar notável.





Espelho de bronze de pega com Vitória Alada datado do século I d.C.. Espelho de época romana de forma circular. Uma face é polida e lisa, sendo a outra decorada com três conjuntos de dois círculos concêntricos. A asa é figurativa e representa a deusa Vitória Alada, nua, sobre uma máscara grotesca. A cabeleira da deusa é ondulada, formando um toucado bastante elaborado. A face posterior da máscara é acentuadamente côncava, permitindo encaixar e ajustar, por meio de soldadura, a uma outra peça. Pertencente à colecção de peças arqueológicas de António Júdice Bustorff da Silva que a doou ao Estado Português, por intermédio de António de Oliveira Salazar. Encontra-se na Colecção do Museu Nacional de Arqueologia.


Mas também Flora usa a cornucóia, como símbolo da Abundância.

Não esqueçamos também Pandora, «a protagonista da epopeia didáctica, exprime uma concepção negativa do feminino, sendo o primeiro sinal declarado de misoginia na cultura grega. Facilmente se conclui que através dela todas as desgraças invadiram o mundo. Aliás, na elaboração do mito de Pandora é possível detectar uma estrutura retórica que coloca lado a lado as vantagens de ser homem e as desvantagens de ser mulher: ao género masculino corresponde a cultura, a civilização, a guerra, a política, a razão e a luz, numa palavra, a ordem ou o cosmos; ao género feminino corresponde a natureza, a misantropia, a actividade doméstica, a imoderação, a noite, numa palavra, o caos ou tudo o que põe em perigo a ordem estabelecida. Aliás, Hesíodo usa mesmo o termo genos para se referir à mulher, o que significa que o autor considera o feminino um género distinto do humano» (Amílar Guerra, op. cit. p: 88).

Ou lembremos «Virtudes» da Antiga Roma, de que apenas, entre tantas outras, destacaremos Dignitas, Gravitas, Veritas, Salubritas Pietas, normalmente traduzida como “dever” ou “devoção,” que seja o dever para com as divindades e com a família – particularmente com o pai que se assume como uma extensão da comunidade – e para com o Estado. Portanto, mais do que a piedade religiosa, assume-se como um respeito pela ordem natural social, política e religiosa, bem como de patriotismo.

Mas não podemos omitir ainda as múltiplas divindades ou alegorias protectoras, a exemplo do que poderia representar esta figura feminina, proveniente de Pompeios, onde muito possivelmente o “clipeus” tem funções apotropaicas.





Alegoria de Protecção (?), Pompeios. Casti Amanti-Pittore al lavoro. Una figura volante poco conosciuta, ma interessante poiché abbastanza originale, che esce dai modelli abituali; personaggio femminile alato ma armato di una lancia e di uno clipeo. «Allegoria della protezione? Si osserverà che è stata dipinta sul fondo rosso successivamente, e non a fresco». Citação a partir de:https://www.facebook.com/#!/pages/Pompei-arte-storia-ed-archeologia/283085626261



http://www.novaroma.org/via_romana/virtues.html.pt




Destacamos um Áureo de Faustina I deificada e representação de Pietas, pertencente ao Museu Nacional de Arqueologia, passando a citar:


Anverso: Busto drapeado e velado de Faustina, à esquerda, com pormenor do penteado. À volta: DIVA.AVG.FAVSTINA Reverso: Pietas, de frente, drapeda e velada, com a cabeça virada à esquerda, atirando incenso para um altar com a mão direita e segurando caixa na mão esquerda. À volta: PIETAS.AV


A peça é proveniente de Borralheira. Teixoso, Covilhã.

Informação a partir de aqui

De salientar, contudo, que o papel desempenhado genericamente pelos seres femininos na mitologia grega se contrapõe, em alguns aspectos, à condição a que é remetida efectivamente a mulher ateniense, não lhe conferindo apenas o Geniceu, tal como, aliás, não parece ter acontecido em Esparta, onde as Mulheres viviam mais para o exterior, contribuindo, através das actividades a que se dedicavam, para o desenvolvimento da vida social desse Estado, em geral, tendo as cidadãs uma educação bastante completa.

«O arquétipo da Deusa é sempre projetado em uma bela mulher, amante, heroína, admirada por suas virtudes: a mãe bondosa, a princesa elegante e educada, a rainha obediente, a fada madrinha, de acordo com a forma que esse sujeito pode assumir no contexto da narrativa, da tragédia, do poema, da vida, mas nunca em mulheres do povo: mãe sofrida, profissional, prostituta. A personagem sempre encarnará um perfil emoldurado no campo da energia psíquica que o arquétipo inspira, informando os tipos, as atitudes, o comportamento cotidiano e os ideais da Deusa. Dessa forma, as heroínas da literatura, do cinema, das novelas de televisão, dos contos de fadas que personificam, não raro, os arquétipos de Afrodite, no modo de ser de uma mulher apaixonada; de 210Atena, nos ideais de uma mulher racional; de Deméter, na proteção materna, representam mitologemas atualizados por meio da literatura que fundamentam sempre novos aspectos do Feminino e abrem discussões sobre o equilíbrio psico-espiritual de nossa cultura, principalmente sobre as resistentes forças vitais femininas que sobrevivem no tempo (…).

A mais elevada sabedoria feminina é transmitida pelo mito da Deusa tríplice Deméter/Perséfone/Hécate. Deméter, nome grego, Delta, significa Deusa Mãe com tripla face: a jovem, a mãe, a velha. Seus nomes adquirem o significado dos seus papéis arquetípicos de mãe bondosa e terrível: Deméter, a que conhece a imortalidade, capaz de dar a juventude eterna; Hécate, a que vê no escuro; Perséfone, a que conhece o segredo da morte; Tiamat, o oceano gerador; Maat, a pena branca da verdade; Medusa, a que tem um olhar petrificante; Fata Morgana, a que leva os homens ao seu destino; Sofia, a que tem a sabedoria superior; Brigit, a responsável pelo ciclo das estações; Kali, a que destrói os homens para dar forma à criação; Syrian Mari, aquela capaz de examinar a alma; Sibila, a vidente capaz de ver o futuro. O mito das Deusas se resume na trajetória da mãe que perdeu a filha e a busca sem trégua. Deméter, filha de Cronos e Rea, deusa grega da terra cultivada, especialmente do trigo teve uma filha com seu irmão

Zeus, Coré. Ainda adolescente, Coré saiu pelos campos a colher flores. A terra abriu-se para Hades, o deus do Inferno, irmão de Zeus, e, por conseguinte, tio da jovem deusa, que a raptou. Coré gritou, a mãe ouviu e veio socorrê-la, só que chegou muito tarde. Hécate, que tudo via, 211contou à mãe aflita o que havia ocorrido. A partir de então, Deméter passou a percorrer o mundo à procura da filha, sem comer, beber ou repousar, abstendo-se de fazer germinarem as sementes semeadas na terra até que sua filha aparecesse.

Passando por Elêusis ela se disfaçou numa velha e pela primeira vez descansou. Dirigiu-se à morada de Celeu, rei da região, onde incógnita parassou a trabalhar como ama de Triptólemo. A deusa tentou imortalizar este menino, mas não conseguiu por causa da intervenção de Metanaira, mãe do garoto. Nessa ocasião Deméter revelou sua identidade e ensinou aos povos daquele lugar a cultivar o trigo. A essa altura, os campos secavam e se tornavam estéreis, pondo em perigo a sobrevivência das criaturas vivas. Zeus, preocupado com tal situação, ordenou a Hades que entregasse sua esposa (agora Perséfone, a rainha do Inferno) à mãe Deméter. Todavia Perséfone havia comido a semente da romã, estando, agora, presa ao marido e ao seu reino. Para solucionar o impasse, Zeus determinou que Perséfone ficasse seis meses com a mãe e seis meses com o marido. Graças a essa solução, a rainha do Inferno saía das profundezas da terra na primavera e subia ao céu quando se abriam no solo as primeiras sementeiras, retornando ao Inferno no outono, quando começavam as colheitas. Seu afastamento de Deméter ocorria no inverno, durante o qual a terra nada produzia.

O mito de Deméter encena o sofrimento materno provocado pelo “ninho vazio”. A trajetória da Deusa em busca da filha perdida ensina às mulheres como se comportar mediante as perdas existenciais, principalmente por ocasião do afastamento das filhas. Essas deusas personificam mulheres que experimentam significativas rupturas psicológicas com elos estruturais básicos e por isso vivenciam estados depressivos e processos reacionários negativos e positivos que favorecem mudança e podem servir de insights para as necessárias transformações femininas».


http://www.revistainvestigacoes.com.br/Volumes/Vol.21.1/as-faces-e-o-significado_Maria-Goretti-Ribeiro_art.11ed.21.pdf


Já em Roma, que adoptou e adaptou os deuses gregos, a situação da mulher não tem um aspecto tão intimista. Embora submetidas ao poder patriarcal (do omnipotente paterfamilias ou seu sucedâneo – o marido ou o sogro de que poderia tornar-se “filha” através do matrimónio – , as mulheres romanas assumem um desempenho que poderemos considerar mais extrovertido, mais visível ou mesmo extravagante, como acontecia com algumas, normalmente privilegiadas. É assim natural que as suas divindades o espelhassem.






Ménade, Museu de Évora 

As Bacantes ou Ménades, também conhecidas como Tíades ou Bassáridas, eram seguidoras e adoradoras do culto de Dioniso, conhecidas como selvagens e enlouquecidas porque delas não se conseguia um raciocínio claro, tendo ficado conhecido o comportamento fanático.

Durante o culto dançavam de uma maneira muito livre e lasciva, em de acordo com as forças mais primitivas da natureza.

Os mistérios que envolviam o deus Dioniso provocavam nelas um estado de êxtase absoluto e entregavam-se à desmedida violência, derramamento de sangue, sexo, embriaguez e autoflagelação. Estavam sempre acompanhadas dos sátiros embalados pelos sons dos tamborins dos coribantes, formando uma espécie de trupe que acompanhava o deus do vinho nas suas aventuras. Andavam nuas ou vestidas só com peles, grinaldas de Hera e empunhavam um tirso - um bastão envolto em ramos de videira.

Por onde passavam iam actuando como chamariz na conversão de outras mulheres atraindo-as para a vida lasciva. Evidentemente que o comportamento livre e desregrado delas causava apreensão, senão pânico nos lugarejos e cidades onde o cortejo báquico passava. 


Quando assaltadas por um furor qualquer, não conheciam limites ao descarregar a sua cólera. O maior divertimento das Ménades ou Bacantes era submeter os homens ao sofrimento, despedaçando-os antes de comê-los enquanto estavam em transe.

Pela sua crueldade, às Ménades não foi concedida a misericórdia da morte.

Na obra intitulada Bacantes são citadas dezoito Ménades:


Acrete - o vinho sem mistura
Arpe - a flor do vinho
Bruisa - a florescente
Cálice - a taça
Calícore - a formosa dança
Egle - o esplendor
Ereuto - a corada
Enante - a foice
Estesícore - a bailarina
Eupétale - as belas pétalas
Ione - a harpa
Licaste - a espinhosa
Mete - a embriaguez
Oquínoe - a mente veloz
Prótoe - a corredora
Rode - a rosada
Silene - a lunar
Trígie - a vindimadora






 «é uma designação genérica que se encontra hoje mais difundida do que na Antiguidade, por ter substituído em grande parte outros vocábulos coevos tais como ménade, tíade, lena … que, em diversas regiões do mundo clássico,reflectiam particularidades de um fenómeno religioso que tendia a expandir-se cada vez mais. Em termos singelos, a bacante é simplesmente uma mulher adepta do culto do deus Baco (ou Dioniso, na nomenclatura original grega) que praticava os ritos necessários. As práticas religiosas realizavam-se em grupo e não individualmente – pelo que existiam congregações de mulheres (ou seja, de bacantes), denominadas tíasos. Ser bacante e pertencer a um tíaso não implicava o desempenho de um cargo sacerdotal específico; no entanto, algumas bacantes assumiram tais cargos, sobretudo na época romana quando certos tíasos desenvolveram um corpo sacerdotal hierarquizado» (Tatiana Kuznetsova-Resende, «A Bacante no Mundo Clássico», in Actas dos Colóquios sobre a Temática da Mulher (1999-2000).

E lembramos ainda Vesta, cujo culto data de época anterior aos Romanos, essa divindade do Lar que tem como símbolo o fogo sagrado e purificador, seja da casa ou da cidade, onde as virgens Vestais zelam para que a chama não se apague.

Deixar o fogo apagar-se equivalia a deixar que Roma sofresse a ira dos deuses.


A Vestália era um festival em homenagem ao culto da deusa romana Vesta, deusa que personificava o fogo sagrado que, segundo a lenda, tinha sido trazido de Troia por Eneias e era perpectuamente preservado pelas sacerdotisas da deusa, no seu santuário, em Roma. Ocorria entre os dias 7 e 15 de junho, quando o templo, era aberto para as mulheres de Roma.

Nos dias do Festival, as mulheres entravam no templo descalças e com os cabelos soltos para orar e pedir pelo bem de sua casa e sua família. Costumavam levar para o templo  iguarias e as vestais ofereciam farinha de trigo branca que era moída, torrada e salgada, utilizada em todos os sacrifícios oficiais.
Devido a inviolabilidade do Templo de Vesta e das próprias sacerdotisas, as mesmas também guardavam os objectos sagrados, tratados solenes e testamentos de várias pessoas, entre elas como dos próprios imperadores romanos: Augusto, Tibério, entre outros; como cita Suetónio no seu livro “Vidas dos Doze Césares”.

A 9 de junho decorria a festa era mais popular: era a festa dos padeiros e moleiros, devido à sua relação com o fogo, já que eles o utilizavam nos fornos para fazer pão. 
Os burros que ajudavam no trabalho e as rodas dos moinhos eram enfeitados com grinaldas de violetas.

Eis o pescoço do jumento decorado
com guirlandas e rolos pendurados,
viam-se grinaldas robustas trançadas
nos moinhos de pedra.

(Ovídio, Fastos)

Segundo Ovídio (Fastos) a ausência de uma estátua que representasse a deusa era suprimida pela figura do fogo perene e inextinguível de Roma, da lareira acesa que deveria queimar incessantemente.






Representação de Vesta fazendo-se acompanhar de um burro. Pompeios. 
Fotografia a partir de: https://www.facebook.com/pages/Pompei-arte-storia-ed-archeologia/283085626261



Lembremos ainda a deusa Iustitia cujo 
símbolo adoptado se filia na deusa grega Diké, a que se aduzem novos elementos, a exemplo dos olhos vendados, significando equidade perante a Lei.


Diké, filha de Thémis, segura de olhos abertos uma espada e uma balança, tal como sua máe que exibia apenas uma balança ou uma balança e uma cornucópia.



A figura da deusa romana Ivstitia sustenta uma balança já com o fiel da balança a meio. Nas representações mais antigas da Ivstitia, a deusa surge ainda com os olhos descobertos, em alusão à necessidade de observar todos os pormenores para a justa aplicação da Lei. Só mais tardiamente ela surge de olhos vendados, para que a justiça seja cega e a Lei seja igual para todos.



Por seu lado, a balança simboliza a equidade, o equilíbrio, a ponderação e a justeza na aplicação da Lei.

Passa a aceitar-se que existe ius faz-se quando o fiel da balança jurídica está aprumadíssimo.

E existe derectum, porque o fiel da balança está aprumado e quando os dois pratos estão precisamente iguais.




As mulheres romanas quer as divinas, quer as humanas, participam, portanto, de uma sorte onde se envolvem, desde um primeiro momento, os dois sexos, na igualdade possível…

Eva, essa, participará apenas do devir solitário a que quiseram condenar, no mundo judaico-cristão, até praticamente os nossos dias, a Mulher e para isso basta ler o moralista Tertuliano do Século II d.C.:

«Ó mulher, nas dores e ansiedades dás à luz, vives girando em volta do teu marido, és dominada por ele, e não sabes que, afinal, Eva és tu mesma? Ainda vive em nossos tempos a sentença de Deus a respeito do teu sexo: necessário é que vivas na condição de culpada. És a porta do diabo, aquela que tocou a árvore proibida», in, «A Moda Feminina/Os Espectáculos», p: 38.







BIBLIOGRAFIA SUMÁRIA




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Estudo Introdutório, Tradução e Notas
Traduzido por Ana Alexandra Alves de Sousa. Coimbra 2020.


BARATA, Maria Filomena Barata, RELIGIÕES MISTÉRICAS DA ANTIGUIDADE IV

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OVÍDIO, Metamorfoses, Livro VI, 140, Livros Cotovia, 2007.

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VERGÍLIO, Geórgicas(Int. Tr. e notas: Gabriel A. F. Silva), Livros Cotovia. 2019

LA MAGIA DE LOS CADÁVERES: NECROMANCIA EN LA ANTIGUA ROMA
November 11, 2016
LOS MUERTOS EN LA ANTIGÜEDAD


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