terça-feira, 9 de agosto de 2016

O que é a Arqueologia? Filomena Barata e Antónia Tinturé


Este pequeno livrinho foi concebido para distribuir numa escola secundária de Santiago do Cacém, visando o envolvimento de alunos e docentes com interesse pela Arqueologia, no âmbito de um «Clube Europeu de Arqueologia» criado nesse estabelecimento para sensibilização à temática.
Embora incipiente e desactualizado, reproduzimos aqui o seu conteúdo, para testemunho dos vindouros.
Trata-se da sua 2ª edição, publicada em 1996.


 




segunda-feira, 1 de agosto de 2016

No Mês de Augusto

No Mês de Augusto
Filomena Barata


Retrato de Augusto. proveniente de “Myrtilis” (Mértola) .
Fotografia Museu Nacional de Arqueologia

A partir de crónica publicada em Setúbal na Rede, Agosto 2014

Ainda no mês em que se comemora a morte do Imperador Augusto (23 de Setembro de 63 a.C. — 19 de agosto de 14 d.C.) cuja importância para o actual território português foi notória, quer no que respeita à pacificação do mesmo –a  Pax Augusta – quer da grande reforma administrativa que implementou, tentaremos falar de cidades, um dos fundamentais alicerces da Romanização.
A cidade é um dos alicerces de um Império, que assenta, por um lado, na «normalização» que tenta imprimir às mais longínquas fundações, mas que se sustenta, por outro lado, à custa da diversidade local e da maximização das potencialidades regionais, faz-nos dimensionar a complexidade de questões que se levantam ao estudo da organização urbana em época de dominação romana.
A noção de urbanidade, de que já os Romanos fizeram um dos pilares «civilizadores», contempla não só o fenómeno citadino propriamente dito, mas também a ideia de centros polarizadores de unidades territoriais, administrativas, económicas e produtivas que geram e partilham da dinâmica da cidade e das permutas feitas entre esta e outros «lugares centrais».
À volta de um aglomerado central do ponto de vista político e económico, desenvolvem-se no território pertencente à ciuitas um conjunto de actividades económicas de características fundamentalmente rústicas, pois nelas assenta maioritariamente a estrutura do Império que, gradualmente se vai tornando mais comercial.
A relação entre estes «centros» e as suas «capitais» e entre eles e os seus «territórios» fornecedores dos produtos indispensáveis para a manutenção dos aglomerados urbanos não é, por seu lado, estanque ou fixa no tempo, dependendo das relações de dominação militar e política que se estabelecem entre vencidos e vencedores, ou da permeabilidade que se consegue com as pré-existências culturais e económicas.
E será essa mesma vontade de entender as fundações urbanas de Época Romana o motivo pelo que, ainda este mês, no próximo dia 23, visitaremos as Ruínas Romanas de Tróia e Caetobriga (Setúbal) com o Projecto  «Portugal Romano», a exemplo de outras visitas já realizadas, como Felicitas Iulia Olisipo (Lisboa), Ammaia, Marvão; Sines; Miróbriga, Santiago do Cacém, Liberalitas Julia (Évora), Scallabis (Santarém), entre outras. Embora existam algumas fundações de época augustana, ou pelo menos assim indicie a topomímia, a exemplo de Bracara Augusta (Braga), é sabido que muitas das cidades romanas em território actualmente português, embora já existentes, sofreram uma ampla alteração urbanística nessa época, como se pode confirmar em Conímbriga, quando foi alvo de importante renovação urbanística sob esse principado e que se estenderá até finais do século I. Assim viu aparecer as infra-estruturas comuns aos meios urbanos: casas pobres e ricas, domus decoradas profusamente com mosaicos, apartamentos, vias, termas, lugares de espectáculo, como o anfiteatro, e o seu centro cívico ou Forum.
Embora ainda seja mal conhecida a rede de centros urbanos da província da Lusitânia, instituída por Augusto, sobretudo, por falta de investigação, e passarei a citar as palavras de Carlos Fabião, um especialista da Época Romana, os «textos antigos e epigrafia revelam um leque variado de núcleos urbanos de que conhecemos somente pequenas parcelas, por outro, desconhecemos em absoluto onde se localizariam muitos dos identificados por estas fontes».
No entanto, inúmeros dos núcleos urbanos referidos por Plínio-o-Velho no século I d.C. foram sendo gradualmente conhecidos e identificados, alguns dos quais acima referimos, não esquecendo ainda Pax Iulia, a capital do conventus, o Conventus Pacensis) criado também no tempo de Augusto que ocupava o sul do actual território português, tendo por limite, mais a Norte, o Conventus Scallabitanus.
Mas, sem dívida, a criação da Lusitânia, provalvelmente em 16 ou 15 a.C. com a capital em Augusta Emerita (actual Mérida), fundada como colonia em 25 a.C. e a divisão em novas circunscrições administrativas, os conventus, vem originar a criação de novas capitais: Augusta Emerita; Pax Iulia e Scallabis (Santarém), as três com estatuto colonial, que, por sua vez, vem originar a proliferação de núcleos urbanos de menor escala que estruturaram o território#.
Poderemos dizer, assim, que o período imperial que se instala em ambiente de pacificação com Augusto cria uma nova concepção filosófica e cultural que se reflecte no urbanismo e na na arquitectura.
A cidade da "utilitas" (utilidade), "venustas" (beleza) e "firmitas" (solidez) que o Arquitecto Vitrúvio  defende na sua obra “De Architectura” , escrita ao que se sabe entre 27 e 16 a.C., assume, com o novo regime, um carácter mais monumental e mais sumptuário, coroando o poder do imperador, "instrumento divino da nova ordem". A arquitectura torna-se, com o Império, a arte por excelência.
Suetónio (69?-160 d.C.) um biógrafo latino que teria nascido na época do imperador Adriano e se terá mesmo tornado seu epistolarum register e, por isso teve acesso aos arquivos do Estado e, inclusivamente, a conhecer a correspondência de Augusto, dedicou-se a escrever a vida d’ «Os Doze Césares». Assim se refere na biografia que dedicou a Júlio César, antecessor de Augusto, que " sobre o embelezamento e enriquecimento de Roma, assim como sobre a defesa e emgrandecimento do império, (ele) concebia diariamente os mais variados e vastos projectos; propunha-se, antes de mais, um templo dedicado a Marte, maior que nenhum dos que existiam em algum lugar do mundo (...); (e) pôr à disposição do público as bibliotecas gregas e latinas, tão ricas como fosse possível".
Por sua vez a obra do imperador Augusto, para além da implementação da ampla reforma administrativa já mencionada e da criação de novos núcleos urbanos, foi, em grande parte, consagrada a reparar as ruínas deixadas em Roma pelas guerras fraticídas dos últimos tempos da República.
Os restauros em antigos templos e a construção de novos, com a finalidade de reacender o espírito religioso canalizando-o para o culto imperial, são sintomas da clara consciência que os romanos têm da vantajosa associação de construções monumentais às manifestações de índole religiosa e política. Só no ano 28 d.C. se restauraram 80 templos em Roma e terminaram-se muitas obras que tinham ficado incompletas.
Suetónio diz-nos ainda na Vida dos Doze Césares que Augusto "Embelezou a cidade de Roma, (que) não (era) ornamentada segundo a magestade do Império e exposta a inundações e incêndios, de tal forma que com razão se vangloriou de " deixar de mármore a que tinha herdado de ladrilho". O Forum de Augusto "uma das obras mais belas jamais vista", segundo Plínio (23 d.C. – 79 d.C.) na sua História Natural o primeiro exemplo de um grande conjunto arquitectónico totalmente construído em mármore. Augusto também deixou Roma segura para a posteridade, "quanto pode prever-se com a razão humana", tendo criando um corpo de guardas nocturnos que vigiavam os incêndios e mandando limpar o leito do Tibre, responsável por muitas inundações.
Também refere ainda Suetónio que Augusto construiu muitíssimos monumentos públicos, referindo como principais um foro com um templo de Marte Vingador, um templo de Apolo no Palatino, outro de Júpiter no Capitólio. "Além disso, exortou os notáveis a embelezar a cidade, segundo as possibilidades de cada um, com monumentos novos ou reconstruindo e enriquecendo (os existentes)". Ao reconstruir os templos em ruínas ou destruídos, "enriqueceu-os a uns e a outros com presentes esplêndidos".
Por outro lado, a reorganização municipal de Roma permite uma reforma de índole religiosa. Aos Lares de cada vicus Augusto associa o Génio do príncipe que, deste modo, consuma a religião imperial. Muitas das iniciativas religiosas passaram a ser subordinadas às do princeps que se tornou, a partir de Augusto, sumo pontífice. (31)
Um outro autor, Virgílio (70 a.C – 20 a.C.) a que nos dedicaremos numa outra entrada, "celebrando a terra italiana e a pátria romana, tornar-se-á o auxiliar da obra restauradora de Augusto", ao reanimar a velha epopeia romana e ao exaltar as qualidades inerendes à latinidade, designadamente no que se refere às suas raízes agrícolas.
Sem querer, nem de longe, nem de perto, prestar-lhe as honras como fazia o colégio sacerdotal que ele próprio criou para lhe render culto, o Colégio dos Augustais, gostaria apenas deixar como apontamento que Augusto foi exímio propagandista de si próprio, tendo criado um conjunto de símbolos religiosos que têm reflexo e invadem a própria na vida cotidiana, mas a que também nos dedicaremos em posterior trabalho, deixo apenas uma nota, pois falamos de Setúbal e do Sado, e os golfinhos foram também símbolos do próprio imperador.

# Sobre as cidades romanas, para uma consulta simples, poderá ler neste mesmo site:

http://ascidadesdalusitania.blogspot.pt/p/as-cidades-romanas-da-lusitania.html

Lembremos que este mês de Augusto era marcado por inúmeros festivais, rementendo para o artigo publicado em  IMPERIVM ROMANVM , disponível em:

http://www.romanoimpero.com/2016/08/agosto.html