A LUSITÂNIA, Filomena Barata

                                                                  


Filomena Barata


A LUSITÂNIA
http://www.incomunidade.com/v37/art_bl.php?art=60


Na imagem: Arco romano de Beja. Fotografia de Filomena Barata



Lembro-me do ruído que, diziam os Antigos, o sol fazia ao pôr-se no Ocidente.

Era ainda para os Romanos estranho ver o Astro Rei ser engolido pelo mar ao Ocidente ou como se afirma na descrição de Avieno, na sua Ora Marítima, sobre o Cabo de S. Vicente:

“Então, lá onde declina a luz sideral, emerge altaneiro o Cabo Cinético, ponto extremo da rica Europa, e entra pelas águas salgadas do Oceano povoado de monstros”, sabendo-se que foi dedicado um templo a Saturno no Promontorium Sacrum.

A “Ora Maritima”, de Avieno, escrita no século IV d.C., mas que se baseia fundamentalmente num périplo comercial massaliota do século VI a.C., se bem que com posteriores acrescentos fundamentados em informações gregas e latinas, continua a ser o texto mais antigo que se conhece descrevendo o Ocidente da Ecúmena e, consequentemente, a costa do Sudoeste e Sul peninsular. Apesar de continuar a levantar questões de vária índole, que se prendem com aspectos geográficos, etnológicos, gentílicos, e outros, ela é ainda uma fonte importante de informações sobre esta zona.

Mas recordo ainda o que tantos autores da Antiguidade diziam sobre o território que virá a ser a província romana da Lusitânia e que, ainda no século I a.C., a maioria dos Romanos considerava uma Finis Terrarum.

Várias são, portanto, as referências de autores Gregos e Romanos ao território a que nos dedicaremos, designadamente o Sul, sendo a descrição do geógrafo grego Estrabão no livro III da Geografia, no século I a.C. a que mais exaustivamente se prende à descrição da Hispânia, iniciando-se praticamente uma das mais pormenorizadas no que diz respeito à área compreendida entre o Estreito de Gibraltar e o Cabo de S. Vicente.

O geógrafo refere-o, tal com se verifica no texto acima citado de Avieno, como o ponto mais ocidental da Ibéria: «Este é o ponto mais ocidental não só da Europa, mas também de toda a oikouméne» (Estr. III, 1, 4).

Por sua vez, Estrabão dá-nos também nota que «Nas margens do rio (trata-se do Tagus/Tejo) fortificou Olisipo para ter mais livre o curso da navegação e o transporte dos víveres (...) O rio é muito rico em peixe e abundante de ostras» (Estrabão, Livro 30, I Parte), referindo-se a um dos momentos da conquista da Lusitânia por Décimo Júnio Bruto, em finais do século II a.C., quando encontra junto ao estuário do Tagus a antiga povoação de Olisipo, entreposto de Fenícios e Gregos.

Plínio (23 d.C - 79 d.C, na sua História Natural, tem variadíssimas referências à Lusitânia, remetendo-nos aqui à tradução comentada Amílcar Guerra na sua obra «Plínio-o-velho e a Lusitânia», trabalho fundamental para o reconhecimento desse território.

Assim nos informa Plínio: «O Tejo dista do Douro duzentas milhas, ficando entre eles o Munda. O Tejo é famoso pelas suas areias auríferas. Distando dele cento e sessenta milhas, ergue-se o Promontório Sacro, aproximadamente a meio da parte frontal da Hispânia». (Plínio H.N. 4, 115).


Refere ainda Varrão (116 a.C — 27 a.C.). que (...) entre o Anas e o promontório Sacro habitam os Lusitanos. Para lá do Tejo, as mais notáveis cidades da costa são Olisipo, célebre pelas éguas que concebem do favónio, Salácia, cognominada urbs Imperatoria, Meróbriga e, entre os promontórios Sacro e Cúneo, os ópidos se Ossónoba, Balsa e Mírtilis», (Plínio H.N. 4, 116).

A constituição oficial em Província, em 27 a.C., fruto da Reforma Administrativa de Augusto, vem alterar o estado das coisas e assiste-se a uma progressiva romanização do território e à criação de centros urbanos polarizadores do crescimento, pois a urbs é o símbolo por excelência da romanidade.

É nessa data que a anterior Provincia Ulterior se divide em Lusitânia e Bética, fazendo parte dela, genericamente, a região compreendida entre o rio Anas e o extremo norte da Península.

Continuam, contudo, ainda confusas as fontes latinas no que se refere à delimitação da Lusitânia, encontrando-se em Estrabão a definição do seu território do seguinte modo «A norte do Tejo estende-se a Lusitânia (…). Delimitam esta região do lado sul, o Tejo, do lado oeste e norte o oceano (Atlântico), a este, as terras dos carpetanos, vetões, vaceus e os galaicos, apenas para citar os mais conhecidos. Os restantes povos não são dignos de menção pela sua reduzida dimensão e importância, embora, contrariamente ao que afirmámos, alguns autores modernos chamem também a estes Lusitanos» (Est. 3,3,3).
Aceita-se que, ainda ao tempo de Augusto, em 14 a.C., o território a norte do Douro terá saído da Lusitânia, passando a entrar na esfera de influência da Citerior ou da Tarraconense.

Mas nem assim podemos encontrar correspondência entre a província romana e o território actualmente português, sendo difícil aceitar, deste modo, a filiação étnica a que nos quiseram confinar ao longo de séculos de História.

Não, não quero dedicar-me a «Viriato: genealogia de um mito», esse caudilho lusitano a que Amílcar Guerra e Carlos Fabião dedicaram um brilhante trabalho com esse nome de que tanto me socorri agora, trabalho onde se analisa a forma como se constituiu em seu torno uma mitologia nacionalista, pois foi o herói da resistência à ocupação romana, apenas vencido pela traição, de cuja nascença nada se poderá fazer coincidir com o que virá a ser o território da Lusitânia e muito menos Portugal.

Mas é a esta Terra da Luz que quis dedicar umas linhas, pese a dificuldade em defini-la como geografia ou etnia.

Terra conquistada que foi por Romanos ao som da guerra, como diz Carlos Fabião, teve Marte como companheiro, «o deus da guerra na complexa religiosidade romana, onde assumia também outras funções. Usualmente aparece representado com os atributos militares e, pode dizer-se, foi sob a égide desta divindade que se construiu o domínio romano na Península Ibérica».

É no fundo sob a égide de Marte que os Romanos chegam à Hispania, no contexto da II Guerra Púnica que opunha Roma aos Cartagineses que viam neste território um bom ponto de apoio para os seus exércitos. E é assim que, em 218, se dá o desembarque dos Romanos em Ampúrias e devagar se conquistam os principais núcleos urbanos do sudoeste da Península Ibérica e, no século II, já está desenhada a primeira divisão administrativa com a criação de duas Províncias: a Hispania Citerior, a oriente, e a Hispania Ulterior, a Ocidente, estando à frente de cada uma delas um Governador com o seu exército.

Durante todo o século II a.C., são conhecidas notícias de numerosos confrontos entre os governadores da Provincia Ulterior e grupos cuja origem étnica parece ser diversa, conhecidos genericamente por Lusitanos.

 Desde 154 até 78 a.C.,surgem várias referências à cidade de Conistorgis (de localização desconhecida mas provavelmente no local da futura colónia de Pax Iulia/Beja ou um pouco mais a sul), primeiro como centro aliado dos romanos e alvo de ataques lusitanos e depois como aquartelamento legionário estratégico nas guerras civis do sudoeste peninsular.

Não me prenderei porém aqui com as lutas travadas no território hoje nacional, referindo apenas que o geógrafo Estrabão e o historiador Apiano nos dão nota da primeira grande campanha militar desenvolvida no ocidente em 138 a.C., tendo à frente Júnio Bruto, governador da Ulterior e que tinha o seu quartel-general sediado no Baixo Tejo, usando Olisipo e Móron, muito possivelmente localizado em Chões de Alpompé, Santarém, confrontos esses que se alastrarão a outros locais do litoral atlântico na Provincia Ulterior.

Na década de oitenta do século I a.C., o Ocidente Peninsular e a Hispânia tornam-se palco de um conflito interno entre Romanos, a rebelião encabeçada por Quinto Sertório.

Data da década de 60 a.C. a passagem de Júlio César pelo governo da Ulterior e as importantes campanhas no entre Tejo e Douro, ficando grande parte desta zona ocidental sob domínio romano.

É com Octaviano, filho adoptivo de Júlio César, que se consuma a pacificação do território, e o desenho de uma nova estrutura político administrativa das províncias, a que não esteve isenta a Hispânia e, mais especificamente, o que hoje é território português.

Surgem as províncias e os conventos de que Pax Iulia, fazendo-lhe juz no nome, assume particular importância a Sul da Lusitânia.

A emergente Lusitânia, essa terra da Luz e do Ocidente, cruzamento multisecular de gentes e culturas, tem, contudo, ainda o seu destino ainda por cumprir e um grande esforço de pesquisa para fazer para que se conheça melhor a sua área de influência.

A ela me dedicarei, portanto, numa próxima crónica, deixando o repto para que nos acompanhem num blogue que lhe será dedicado, ou na página criada no Facebook, tentando apreender melhor, com a participação de investigadores, arqueólogos e cidadãos em geral, a sua fisionomia e as manifestações culturais que tanto rasto deixou a Lusitânia romana e pretendendo criar um banco de dados bibliográfico referente às suas cidades.
http://mirobrigaealusitania.blogspot.pt/
https://www.facebook.com/pages/A-Lusit%C3%A2nia/1601483676800140?ref=hl
Na imagem: Conduta de água dos balneários de Miróbriga. Fotografia Luis d’el Rey.


Filomena Barata, 
Mestrado em Arquologia, Universidade do Porto
Técnica Direcção Geral Património Cultural

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